O que pensam os portugueses sobre a corrupção? Mais de metade dos cidadãos são afetados diariamente, aponta estudo
A Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) lançou, esta segunda-feira, o seu terceiro barómetro, desta vez centrado no tema da corrupção. Coordenado por Luís de Sousa (ICS-ULisboa) e Susana Coroado (Dublin City University), este estudo de opinião realizado pela DOMP, auscultou residentes em Portugal para aprofundar o conhecimento sobre a corrupção, proporcionando um retrato social que dá pistas para futuras investigações e fomenta a discussão informada sobre o tema.
Pode consultar o relatório aqui ou lê-lo na íntegra em baixo:
O relatório começa por evidenciar como as pessoas percecionam o impacto que a corrupção tem na sociedade como um todo, constatando que mais de 90% dos inquiridos a consideram um dos problemas mais graves que o país enfrenta, de acordo com dados do Eurobarómetro Especial sobre Corrupção. Este valor está muito acima da média da UE (2023 = PT 93%, média UE 70%).
Já no que respeita à forma como as pessoas avaliam o impacto que a corrupção tem nas suas vidas, um em cada dois inquiridos sente que a corrupção o afeta diariamente (2023 = PT 54%, média UE 24%).
A corrupção que preocupa a opinião pública não é apenas o fenómeno tal como a lei o define, mas sobretudo a colusão de interesses públicos e privados ao mais alto nível, que decorre sob uma aura de legalidade e de normalidade institucional. Apesar de, regra geral, os participantes concordarem que um comportamento tem de ser ilegal para ser considerado corrupto, a maioria não concorda que, se o resultado de uma ação for benéfico para a população em geral, não se trata de corrupção.
No que respeita à avaliação de certas esferas, grande parte dos inquiridos acredita que todas as esferas da vida social avaliadas são, pelo menos, medianamente corruptas.
Os clubes de futebol são as entidades consideradas mais expostas à corrupção, seguidos das várias instituições políticas: partidos políticos, autarquias, Governo e administração pública, respetivamente. Por outro lado, a segurança e defesa, e o setor social, são as áreas que os participantes consideraram menos expostas.
Os resultados sugerem também que a política tem um problema reputacional: em média, os inquiridos concordam que só atrai pessoas que procuram obter benefícios particulares à custa do bem comum e que até pessoas honestas se deixam corromper quando ocupam um cargo de poder.
Avaliando os tipos de regime político – democracia, tecnocracia e autocracia – em média, os participantes consideram que todos estão de forma semelhante e medianamente vulneráveis à corrupção. No entanto, consideram que um país que tenha um líder forte, que não tenha de se preocupar com o Parlamento nem com eleições, é mais vulnerável à corrupção do que um país democrático ou tecnocrata.
Para avaliar o peso que a integridade de um líder político tem nas preferências dos eleitores, foi realizada uma experiência conjoint com os inquiridos, que consistia na apresentação de perfis diferentes de um candidato político hipotético, tendo-lhes sido solicitado que indicassem a probabilidade de votar naquele candidato nas próximas eleições legislativas.
Chegou-se à conclusão de que, para os inquiridos, o fator que mais influencia a sua probabilidade de voto é a orientação ideológica do(a) candidato(a), aparecendo 4 a integridade em segundo lugar (isto é, a capacidade de pautar a sua conduta pela legalidade e honestidade) e, finalmente, a capacidade de compromisso.
Os autores mediram também a perceção que as pessoas têm sobre a extensão da corrupção em determinados grupos sociais, que é, em parte, moldada pelos casos que vêm a público, pela forma como são noticiados e pelas narrativas coletivas. Neste contexto, em média, a corrupção é tida como mais prevalecente entre o grupo dos políticos, seguido dos empresários, e como mais baixa no grupo dos profissionais e trabalhadores do setor privado. Além disso, foi possível perceber que os indivíduos que se posicionam mais à esquerda do espectro político tendem a expressar uma menor perceção da corrupção, em comparação com os que se posicionam à direita ou ao centro.
Em média, o combate à corrupção em Portugal é visto como ineficaz – mais de metade (51,6%) considera este combate “nada eficaz” – sendo que os indivíduos com níveis mais altos de instrução são mais negativos na sua avaliação. As responsabilidades pela ineficácia do combate à corrupção são repartidas, por ordem decrescente, pelo poder político, sociedade civil e poder judicial.
O fraco desempenho da justiça, na opinião dos inquiridos, não se deve à falta de meios, mas sim à existência de megaprocessos demasiado complexos e intermináveis (71,9%) e, em segundo lugar, à existência de demasiadas possibilidades de recurso (43,4%).
A televisão e a imprensa escrita e online continuam a ser as fontes de informação mais importantes para a formulação de opiniões sobre a corrupção, mesmo no caso dos mais jovens. Os resultados revelam também que, em média, os inquiridos que recorrem a fontes de informação informais (família, amigos, conhecidos, colegas) são os que têm uma visão menos negativa sobre o fenómeno da corrupção, seguidos dos que recorrem a fontes tradicionais (comunicação social). Os que têm uma opinião mais negativa são os que recorrem a novas fontes de informação (redes sociais, podcasts e videocasts).
Questionados sobre o nível de satisfação em relação à forma como a comunicação social trata o tema da corrupção, 41,9% diz-se satisfeito (muito satisfeito ou parcialmente satisfeito) e 35,9% insatisfeito (muito insatisfeito ou parcialmente insatisfeito), apresentando preocupações com os efeitos perversos da luta 5 pelas audiências e pela obtenção de lucro e do sensacionalismo na qualidade do tratamento mediático do tema.