Inspetora-geral da Administração Interna lamenta “fruta podre” de “movimentos radicais” nas Forças de Segurança

Anabela Cabral Ferreira, inspetora-geral da Administração Interna (IGAI), que está de saída do cargo, alertou para a existência de uma “fruta podre” nas forças de segurança, durante uma entrevista ao Diário de Notícias e à TSF, onde fez um balanço dos cinco anos à frente da instituição. Prestes a assumir novas funções na Assembleia da República, a magistrada destacou o trabalho feito pela IGAI, apontou os desafios futuros, e não hesitou em reconhecer a necessidade de agir contra elementos que comprometem a integridade das forças de segurança.

“A esmagadora maioria dos polícias são pessoas íntegras, mas há alguma ‘fruta podre'”, afirmou. Esta metáfora serviu para descrever elementos dentro das forças de segurança que, através de comportamentos inaceitáveis, mancham o nome das instituições. “Não podemos ignorar que há casos graves de abuso e discriminação que precisam de ser combatidos de forma clara”, sublinhou.

A inspetora-geral fez referência à importância de controlar estes elementos e evitar a contaminação das instituições por práticas desonrosas. Defendeu que os responsáveis por ações condenáveis dentro das forças de segurança devem ser responsabilizados, mas garantiu que o comportamento desajustado de alguns não deve ofuscar o trabalho da maioria. “São pessoas que dignificam a farda que vestem e que são essenciais para a segurança do país. Mas, como em qualquer setor, há pessoas que não têm a idoneidade necessária e que devem ser afastadas”, reforçou.

Discriminação nas forças de segurança: Um problema a combater

Anabela Cabral Ferreira sublinhou que os comportamentos discriminatórios nas forças de segurança constituem um problema grave e difícil de erradicar. “Temos de atuar de forma rigorosa quando surgem denúncias de discriminação racial, de género ou qualquer outro tipo de preconceito”, afirmou, referindo-se aos vários casos em que a IGAI teve de intervir.

Durante o seu mandato, a magistrada promoveu um combate ativo contra a discriminação e liderou investigações a incidentes que envolviam tratamento desrespeitoso por parte de agentes das forças de segurança, como foi o caso de agressões a cidadãos estrangeiros e de comportamentos abusivos durante detenções. “A discriminação é intolerável em qualquer situação, mas é ainda mais grave quando parte de quem tem a responsabilidade de proteger os cidadãos”, comentou.

O caso Ihor Homeniuk e a falta de controlo no SEF

O caso de Ihor Homeniuk, o cidadão ucraniano que morreu sob custódia no aeroporto de Lisboa em 2020, foi um dos marcos mais perturbadores do seu mandato. Anabela Cabral Ferreira reconheceu que a falta de inspeções sem aviso prévio ao Centro de Instalação Temporária (EECIT) do SEF, onde Homeniuk estava detido, foi uma falha da IGAI. “Quando tomei posse, não haviam sido feitas inspeções sem aviso prévio a esses espaços, mas em 2019 iniciámos esse processo com inspeções em Faro e no Funchal”, disse, sublinhando que, desde então, a IGAI passou a intensificar esse tipo de visitas.

Ferreira explicou que a monitorização destes espaços foi reforçada com o tempo, especialmente após a extinção do SEF e a transferência das suas competências para a PSP. Segundo a ex-inspetora, o controlo das condições de detenção e dos retornos forçados de estrangeiros é agora mais apertado. “Temos colocado um esforço especial na monitorização dos retornos forçados, especialmente quando se trata de pessoas vulneráveis ou casos com potencial de conflito”, afirmou.

Falta de recursos na IGAI e a paridade de género

A IGAI, que supervisiona o comportamento das forças de segurança, opera atualmente com 11 inspetores, embora o quadro preveja 14. Anabela Cabral Ferreira reconheceu que este número é insuficiente para a quantidade de processos que a entidade precisa de tratar, especialmente aqueles que envolvem casos graves de violência, uso de armas de fogo, ou corrupção. No entanto, destacou um progresso significativo na composição do corpo inspetivo: “Em 2019, havia apenas uma mulher entre os inspetores. Hoje, temos paridade de género, o que considero uma evolução muito positiva.”

Monitorização dos retornos forçados e a criação de novos centros de instalação temporária

Anabela Cabral Ferreira frisou a importância de criar um Centro de Instalação Temporária (CIT) em Lisboa para evitar que cidadãos estrangeiros em situação irregular sejam mantidos em condições inadequadas. “Os espaços atualmente disponíveis, como os EECIT, foram pensados para estadias curtas, mas algumas pessoas acabam por ficar lá 30 a 40 dias, o que é inaceitável”, criticou.

A monitorização dos retornos forçados foi um dos aspetos em que a IGAI tem trabalhado de forma mais proativa. Quando há um afastamento do território nacional, as autoridades são obrigadas a comunicar à IGAI, que acompanha o processo para garantir que são respeitados os direitos dos cidadãos. “Fazemos centenas de monitorizações anuais. Em casos de maior risco, acompanhamos o processo até ao destino”, afirmou.

A dificuldade em identificar polícias nas unidades especiais

Outro problema abordado pela inspetora-geral foi a dificuldade em identificar os polícias envolvidos em incidentes de uso excessivo da força. Anabela Cabral Ferreira revelou que, em casos como o incidente ocorrido num jogo entre o Guimarães e o Famalicão, onde um advogado perdeu a visão após ser atingido por um bastão, foi impossível determinar qual dos polícias esteve envolvido. “Não ter sido possível identificar o responsável é algo inadmissível num Estado de Direito”, afirmou, defendendo que os agentes das unidades especiais devem ter uma identificação visível, como um número ou uma letra. “Foi-me garantido pela PSP que já estão em curso medidas para assegurar essa identificação”, acrescentou.

O novo desafio na Assembleia da República

Anabela Cabral Ferreira decidiu abandonar a liderança da IGAI antes do término do seu mandato, não por receio de ser demitida, mas por acreditar que é o momento certo para abraçar um novo desafio na Assembleia da República. “Foi um convite irrecusável do senhor presidente José Pedro Aguiar Branco, uma pessoa que admiro profundamente pela sua idoneidade e integridade”, declarou.

Ferreira sublinhou que a mudança para a Assembleia será um novo capítulo na sua carreira, onde espera continuar a trabalhar em prol dos direitos e liberdades dos cidadãos. Apesar de sair da IGAI, a magistrada mantém a convicção de que o trabalho de controlo das forças de segurança deve continuar com o mesmo rigor e empenho.

“Estou confiante de que o próximo inspetor-geral terá o mesmo entusiasmo e compromisso que eu tive”, concluiu, deixando ainda um alerta sobre o perigo de alguns membros das forças de segurança estarem a aderir a movimentos radicais. “O pensamento é livre, mas o comportamento dos agentes de segurança deve sempre estar alinhado com os princípios do Estado de Direito”, finalizou.

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