Pandemia da Covid-19 e a Ucrânia foram difíceis? Os próximos cinco anos de Von der Leyen na UE podem ser piores

Ursula von der Leyen voltou na semana passada das suas férias para se preparar para um segundo mandato no topo da Comissão Europeia, para uns próximos cinco anos que prometem ser ainda mais desafiadores do que o seu primeiro mandato. Se nesse período teve de lidar com a pandemia da Covid-19 e a guerra na Ucrânia, para o segundo mandato terá o mesmo conflito, além de um novo presidente americano – que poderá ser ainda mais complicado caso seja Donald Trump – e uma extrema-direita fortalecida pela Europa.

“Os próximos cinco anos serão um campo minado político”, sustentou um alto funcionário da UE ao jornal ‘POLITICO’. “Nesse período, terá de tomar decisões importantes sobre o futuro da União Europeia e o seu orçamento, enquanto lida com a guerra na Ucrânia e a eleição nos EUA.”

Não importa para onde se olhe, há problemas para Von der Leyen.

O Parlamento Europeu está mais fragmentado do que nunca. Na mesa do Conselho Europeu – os 27 líderes políticos do bloco – sentam-se vários de direita e/ou abertamente hostis a Von der Leyen, um número que pode crescer. A guerra na Ucrânia não dá mostras de abrandar – nem o conflito no Médio oriente -, ao passo que os EUA hesitam em continuar a apoiar a Ucrânia.

Ao mesmo tempo, Bruxelas prepara-se para uma batalha amarga sobre as suas finanças, conforme luta para financiar tanto os seus crescentes gastos com Defesa como também a transição verde. Nestes próximos cinco anos, Von der Leyen terá de preparar a UE para uma futura ampliação e, durante esse processo, as 449 milhões de pessoas na União Europeia terão de permanecer convencidas de que o futuro da UE não está apenas em Paris ou Varsóvia, mas também Kiev, Chisinau ou Podgorica.

Um diplomata na UE sustentou que Von der Leyen “mostrou que tem coragem” para conduzir o bloco em tempos difíceis, em particular a pandemia e a crise na Ucrânia: ainda assim, “tem um caminho difícil pela frente”. Segundo Virginijus Sinkevicius, ex-comissário europeu durante o primeiro mandato de Von der Leyen, “o segundo mandato pode ser muito mais desafiador do que o primeiro”, já que a pandemia e a guerra na Ucrânia deram à presidente da Comissão Europeia espaço de manobra de uma forma que os desafios futuros podem não dar.

“O ambiente internacional para a UE está a tornar-se mais difícil, portanto, a procura por unidade e ação será pelo menos numa escala semelhante à que vimos nos últimos cinco anos”, referiu Nicolai von Ondarza, cientista político do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança.

No Conselho Europeu, o presidente francês Emmanuel Macron e o chanceler alemão Olaf Scholz, normalmente o motor duplo que impulsiona o bloco, estão politicamente enfraquecidos após as suas derrotas na eleição do Parlamento Europeu. Ambos também estão a tentar manter a extrema-direita sob controlo internamente.

Outros líderes importantes e estáveis, como o primeiro-ministro holandês Mark Rutte e o primeiro-ministro belga Alexander de Croo, abandonaram a mesa do Conselho Europeu, enquanto o primeiro-ministro poloco Donald Tusk está muito preocupado internamente para exercer a sua influência no cenário europeu.

Isso dará a von der Leyen a oportunidade de “ser uma líder”, referiu um diplomata europeu, acrescentando que ela tem o instinto político para ouvir os outros e então apresentar ideias no momento político certo.

A mudança na dinâmica é tanto uma oportunidade como um desafio para Von der Leyen

O estilo de liderança controlador e distante de Von der Leyen irritou os líderes e os seus representantes em Bruxelas, que muitas vezes se sentiram surpreendidos com o seu rápido processo de tomada de decisão. Com forças populistas e nacionalistas a enfurecer-se contra a corrente política dominante da Europa, os chefes de Estado e Governo europeus correm o risco de se tornarem mais nervosos e menos previsíveis no processo de tomada de decisão. E convém não esquecer o trabalho corrosivo do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán dentro do bloco, que espera ver chegar mais aliados, tanto no bloco como fora.

O relacionamento venenoso que Von der Leyen tinha com o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, só pode melhorar com o seu sucessor, António Costa, com quem a presidente da Comissão Europeia tem um excelente relacionamento de trabalho.

Bruxelas espera que a dupla imite o relacionamento de trabalho bem-sucedido que o primeiro presidente do Conselho Europeu, Herman van Rompuy, estabeleceu com o ex-presidente da Comissão, José Manuel Barroso, entre 2009 e 2014. “Houve tensões entre Van Rompuy e Barroso também, mas eles sempre conseguiram mantê-los a portas fechadas”, lembrou fonte da UE – a dupla conduziu a UE durante a crise financeira, com ambos os líderes a trabalhar lado a lado para manter o bloco unido numa altura de grave pressão sobre a zona euro.

No Parlamento Europeu, as coisas parecem ainda mais complicadas. As forças centristas — o Partido Popular Europeu de Von der Leyen, os Socialistas, os liberais do Renew e os Verdes — conseguiram unir-se para apoiar um outro mandato como presidente da Comissão. Mas a fragmentação e a mudança para a direita do Parlamento significam que Von der Leyen e sua equipe terão de trabalhar duro para convencer os legisladores europeus a aprovarem uma nova legislação.

Nos próximos cinco anos, Von der Leyen terá de preparar a UE para o futuro, garantindo que tem dinheiro suficiente e preparando-a para se tornar maior.

As capitais do bloco estão profundamente divididas sobre qual deve ser a sua principal prioridade: reforçar a sua indústria de armamento diante de uma Rússia cada vez mais beligerante, aumentar os investimentos verdes para atingir as metas climáticas ou permitir que a indústria se mantenha competitiva devido à pressão de Washington e Pequim. Cerca de dois terços do orçamento da UE são gastos a subsidiar a indústria agrícola e os projetos de infraestrutura nas regiões mais pobres da Europa. Mudar isso seria “como abrir a caixa de Pandora”, explicou fonte europeia.

As negociações sobre o orçamento de sete anos da UE, de cerca de um trilião de euros, são sempre batalhas ferozes, pois cada valor precisa ser acordado por todos os 27 Governos. Da última vez, as negociações culminaram numa cimeira maratona de cinco dias de líderes.

“No seu primeiro mandato, ela foi a gestora de crise. Agora, tem de garantir que a UE permaneça relevante, fixando o orçamento e preparando o bloco para a ampliação. Essas reformas internas têm uma tendência a quebrar os políticos europeus”, apontou a mesma fonte.

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