Escândalo ‘Watergate’ foi há 50 anos. Mas continua a ter impacto no cenário político dos EUA

Esta sexta-feira, os Estados Unidos marcam um meio século desde o infame arrombamento do Edifício Watergate, um evento que desencadeou um dos maiores escândalos políticos da história americana e levou à primeira renúncia de um presidente em exercício, Richard Nixon. O Watergate não só abalou a confiança na presidência e nas instituições governamentais, mas também transformou profundamente a política e a relação entre o público e o Governo, um legado que persiste até hoje.

O Marco Histórico do Watergate
O escândalo Watergate, ocorrido em 17 de junho de 1972, começou com a invasão da sede do Comité Nacional Democrático, localizada no Edifício Watergate, em Washington D.C., por agentes ligados ao Comitê de Reeleição do Presidente Nixon. Este evento inicial levou a uma série de investigações que revelaram um encobrimento orquestrado pelo governo Nixon e resultaram na sua renúncia em agosto de 1974, após um iminente processo de impeachment.

Julian Zelizer, historiador e professor na Universidade de Princeton, descreve o Watergate como “um momento histórico imensamente importante” que assinalou “uma nova era” na política americana, caracterizada por uma confiança reduzida nas instituições governamentais e uma mudança na dinâmica política nacional. “É um momento histórico imensamente importante,” afirma Zelizer ao Washington Post, “e quando terminou entrámos numa nova era.”

O Legado e a Influência no Panorama Político
O Watergate marcou uma linha divisória significativa, alterando para sempre o cenário político e social dos EUA. Garrett M. Graff, autor do livro Watergate: A New History, descreve o Watergate como uma transformação fundamental na política americana. “O Watergate levou Washington a deixar de ser uma capital sonolenta dominada por segregacionistas e veteranos da I Guerra Mundial, para uma capital dominada por um novo tipo de políticos e meios de comunicação mais incisivos,” explica Graff. Este período gerou uma profunda desconfiança em relação aos governos e políticos, um sentimento que persiste até os dias de hoje.

O impacto do Watergate também é visível na polarização política que caracteriza a política americana contemporânea. Embora o Watergate tenha causado uma erosão da confiança, este fenômeno não pode ser atribuído exclusivamente ao escândalo. O Pew Research Center revela que a confiança no governo dos EUA, que já havia começado a declinar antes do Watergate, caiu ainda mais após o escândalo. Em 1958, 73% dos norte-americanos confiavam que o governo faria o que era correto “quase sempre” ou “na maior parte das vezes”. Esse número atingiu 77% no Outono de 1964, mas caiu para 36% no final de 1974, após a renúncia de Nixon. Atualmente, apenas 20% dos americanos acreditam que o governo faz o que é certo na maioria das vezes.

O Impacto nos Partidos Políticos
O Watergate teve um impacto profundo nos dois principais partidos políticos dos EUA. O Partido Republicano, que parecia desfeito após o escândalo, experimentou uma transformação significativa. Beverly Gage, professora de História na Universidade de Yale, explica que, embora o Watergate tenha devastado a facção de Nixon no Partido Republicano, não afastou o partido como um todo. “O Watergate foi muito mais devastador para a facção de Nixon no Partido Republicano,” afirma Gage.

A ascensão de Ronald Reagan em 1980, após o declínio do liberalismo associado ao New Deal, marcou uma transformação do Partido Republicano em um partido conservador. Bruce Schulman, autor de The Seventies: The Great Shift in American Culture, Society and Politics, argumenta que o Watergate forneceu um terreno fértil para a ideologia conservadora e antigoverno que Reagan defendia.

Os Democratas também passaram por uma transformação significativa, afastando-se dos eleitores brancos e da classe operária em direção a uma base mais diversa. O aumento da polarização e a ascensão de uma ala liberal mais vigorosa dentro do partido continuam a moldar o debate político.

Polarização e Setarismo
A polarização partidária e o sectarismo que definem o atual clima político dos EUA têm raízes profundas que se estendem para além do Watergate. Embora o Watergate tenha inicialmente revelado um consenso em torno da necessidade de responsabilização e reformas, a atual era de polarização extrema é, em parte, uma evolução desse legado.

John A. Lawrence, autor de The Class of ‘74: Congress After Watergate and the Roots of Partisanship, acredita que as reformas promovidas por novos membros do Congresso após o Watergate incentivaram o aumento do sectarismo partidário. “Algumas dessas reformas efetivamente incentivaram o aumento do sectarismo partidário,” diz Lawrence, “pois deram plataformas para pessoas que, de outra forma, poderiam ter sido impedidas de desempenhar um papel mais público.”

O ex-presidente Donald Trump, cuja presidência foi marcada por divisões profundas e tentativas de ignorar as normas constitucionais, é visto por muitos como um culminar do legado do Watergate. A congressista Zoe Lofgren, que participou das investigações do Watergate e atualmente investiga o ataque ao Capitólio de 6 de janeiro, observa que o ambiente político atual é muito mais sectário e polarizado do que na época de Nixon. “Encontramo-nos num ambiente político que é muito mais sectário do que acontecia na época do Watergate,” afirma Lofgren.

Cinco décadas após o Watergate, os Estados Unidos continuam a lidar com as consequências do escândalo que alterou a política e a confiança pública. O legado do Watergate é visível na persistente desconfiança nas instituições, na polarização crescente e nas transformações políticas que moldaram o cenário atual. O Watergate não foi apenas um episódio de corrupção; foi um ponto de inflexão que redefiniu a relação entre o governo e o povo americano, cujos efeitos continuam a reverberar na política contemporânea.