Manifestações, greves de fome e violência: Europa está a tornar-se o epicentro de protestos contra o turismo este verão
A Europa atravessa uma onda de protestos antiturismo este verão, com manifestações a ocorrerem nos Países Baixos, Grécia e Espanha. No início de julho, indicou a ‘CNN’, os manifestantes marcharam por áreas turísticas de Barcelona, com pistolas de água, para atingir os turistas surpreendidos com gritos de “turistas, voltem para casa”. Mais recentemente, na ilha espanhola de Maiorca, houve milhares em protesto, com os organizadores a alegar que o modelo de turismo da ilha “empobrece os trabalhadores e enriquece apenas alguns”.
No centro dos protestos está o cresceste aumento da oferta – e a subida de preços – dos imóveis que tornou a aquisição de uma casa quase impossível para alguns moradores. É o caso de Carlos Ramirez, professor de Barcelona, que economiza há anos para a sua primeira casa, e que tem um salário “decente”. No entanto, os preços na cidade catalã dispararam. “Toda a gente que conheço mora aqui. Mas a única maneira de se poder pagar para viver em Barcelona é dividindo com duas, três ou quatro pessoas.” Como muitos moradores do sul da Europa, cujas cidades são destinos populares de turismo, Ramirez atribui grande parte da culpa ao turismo em massa.
“Está a tornar-se cada vez mais difícil para os moradores locais, especialmente os mais jovens, terem um lugar próprio”, referiu. “Conforme passam os anos, mais e mais turistas vieram.” Em Barcelona, os arrendamentos subiram 68% na última década, um padrão que se reflete em outras cidades europeias.
Quando os manifestantes atiraram água aos turistas em Barcelona, a 6 de julho último, era possível “sentir-se o ressentimento” no ar. “Muitas pessoas, muitas empresas, estão agora a alertar os turistas sobre visitar a Espanha por causa da hostilidade”, apontou Ramirez.
Antje Martins, especialista em turismo sustentável da Universidade de Queensland (Austrália), salientou que o impacto dos protestos podem influenciar a escolha dos turistas. “Barcelona tem agora uma péssima reputação entre outros turistas que não querem visitar porque estão com medo.”
No entanto, Eduardo Santander, CEO da Comissão Europeia de Viagens, ONG responsável pela promoção da Europa como destino de viagem, acredita que os incidentes “são isolados” e “não refletem a realidade completa em Espanha e na Europa”. “Para mim, são um reflexo mais amplo do turismo que não é administrado de forma sustentável. Quando vejo esses conflitos, acho que é um reflexo de que não estão felizes porque não obtêm qualquer benefício do turismo que veem.”
Em várias cidades europeias, as autoridades locais estão a tomar medidas ousadas no sentido de controlar os níveis de turismo – Veneza, por exemplo, tem uma taxa de entrada temporária, criada para regular o número de turistas, que tem sido um sucesso. A taxa de 5 euros permitiu arrecadar mais de 2,4 milhões de euros, mais do que o esperado.
Susanna Polloni, do grupo ‘Solidarity Network for Housing’, sediado em Veneza, salientou à ‘CNN’ que o imposto “não é apenas inútil, mas também prejudicial” porque traz a imagem de uma ‘Venicelândia’, onde é preciso comprar um ingresso para entrar. O turismo em massa, referiu, já provocou o fecho de serviços de saúde, a substituição de lojas de bairro por lojas de souvenirs e o aumento dos preços dos imóveis na cidade italiana. “Estamos prestes a chegar a um ponto sem retorno. Achamos que o nosso pedido de ajuda, de uma cidade que está a morrer pelo lucro de alguns, deve alcançar o mundo inteiro.”
Barcelona – à semelhança de outras capitais europeias, como Lisboa – procura seguir o exemplo e o autarca catalão, Jaume Collboni, já anunciou a intenção de aumentar o imposto turístico da cidade para alguns passageiros de cruzeiros. Os turistas que visitam a Cidade Condal por menos de 12 horas costumam causar aglomerações nas principais atrações turísticas, como a Catedral da Sagrada Família, Las Ramblas, o Bairro Gótico ou o Parque Guëll.
O atual imposto é a terceira maior fonte de rendimento de Barcelona, com cerca de 100 milhões de euros cobrados em 2023 a passageiros de cruzeiros – pagam 6,25 euros para entrar na cidade – e outros visitantes que se hospedam em hotéis e outras acomodações turísticas.
Não se trata apenas de uma questão de turismo de massa, apontou Ramirez: o comportamento desrespeitoso de alguns turistas também contribuiu para o clima de tensão em várias partes da Europa, incluindo Barcelona, Maiorca, Magaluf e Benidorm, por exemplo. “Parece que fazem aqui o que não conseguem fazer nos seus próprios países. Sentimo-nos insultados.”