Aquecimento e arrefecimento solar, porque não?
Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros
O aquecimento e o arrefecimento solar (sim, também é possível!) poderão ser um importante componente dos esforços para a transição energética, nomeadamente no nosso país.
Em junho de 2024, a Agência Internacional de Energia, que tem um Programa de aquecimento e arrefecimento solar, divulgou um relatório em que é feito um ponto da situação sobre este importante domínio.
A China era referenciada como o Nº1 nos mercados do aquecimento solar da água e dos espaços, do designado “district heating” e das soluções solares híbridas (fotovoltaico / térmico). Esse lugar cimeiro era apenas perdido para a Espanha no domínio do aquecimento solar a nível industrial. O nosso vizinho dá cartas nesse domínio e devíamos, por isso, aprender com ele. No Top 5 em todos os domínios surgiam outros países europeus, com menos radiação solar do que em Portugal, como a Alemanha a França, os Países Baixos, a Dinamarca, a Itália e a Áustria, domínio europeu apenas interrompido no campo do aquecimento solar da água e dos espaços para países como a Índia, Brasil, Turquia e Estados Unidos.
Embora os maiores mercados do solar térmico tenham tido algum declínio, a implementação desta tecnologia continua a desenvolver-se face ao crescimento constante de outros mercados, reafirmando a versatilidade e adaptabilidade da tecnologia. De 2022 para 2023, a nova capacidade global do solar térmico foi de 21 GWt, com crescimentos de 66% no UK, 40% em Moçambique e 27% na Índia, por exemplo. Esta mudança ocorreu não só em aplicações residenciais mas também em grandes sistemas comerciais.
Os principais grandes números do aquecimento solar à escala global em 2023 são 560 GWt em operação, 456 TWh de energia térmica produzida, 158 milhões de toneladas de CO2 evitadas e 345 000 empregos relacionados.
Em 2023 foram construídos 28 novos sistemas de aquecimento solar de grande escala (> 350 kWt, 500 m2) o que aumentou o seu número global para 598. Em grande crescimento estiveram também as instalações de aquecimento solar para processos industriais. E é relativamente a estas últimas, para demonstrar as suas possibilidades, que me vou agora referir a alguns exemplos muito recentes:
– a Lactosol, em Verdun, França, usa calor solar para converter soro de leite, subproduto do fabrico de queijo, num pó para a indústria alimentar, tendo conseguido reduzir o consumo de gás em 6% e emitindo menos 2000 ton de CO2 por ano;
– a SolCoolDry, em Mwazaro, Quénia, fez uma instalação 100% solar off-grid, também no domínio da indústria alimentar, combinando as vantagens do solar térmico com o fotovoltaico, para a produção de gelo e secagem de alimentos, em que o fotovoltaico é usado para produzir gelo e o solar térmico em secadores de ar quente em túnel, com sistemas de armazenamento de eletricidade e térmico que lhe permitem a operação 24h por dia;
– a cervejeira Heineken, em Sevilha, Espanha, possui a maior instalação térmica solar para fins industriais da Europa constituindo também o primeiro uso a nível industrial de solar térmico de concentração (campo solar de 7 ha), com redução do consumo de gás de 60% e a redução anual de 8924 ton de CO2 por ano, correspondendo a um investimento de cerca de 20,5 milhões €;
– a Solar Food Processing, em Kangulumira, Uganda, substituiu a secagem por exposição ao sol de frutos, que apresentava perdas de cerca de 40%, por uma secagem solar baseada em calor solar (80%) e fotovoltaico (20%), com um payback de 5 anos; trata-se de um sistema facilmente adaptável a diferentes países e produtos agrícolas;
– a Ball Corporation, em Fairfield, Califórnia/EUA, um dos maiores produtores de embalagens em alumínio do mundo (8 milhões de latas/dia), passou a usar solar térmico no seu processo produtivo, poupando anualmente quase 6000 MWh de gás.
Estes são apenas alguns exemplos de aplicações de energia solar para aplicações térmicas a nível industrial. Muitas delas com possibilidade de aplicação em Portugal. Muitas outras são possíveis, existindo tecnologias solares adaptáveis às diferentes gamas de temperatura e processos operacionais.
Num país como o nosso, com a “capacidade” solar natural existente, esta seria uma tecnologia a adotar com maior “intensidade”. Nomeadamente em zonas em que a rede de gás natural (a descarbonizar progressivamente no futuro) não chega e em que por isso esta tecnologia pode permitir usar processos produtivos de baixo ou nulo carbono nesses locais, eventualmente contribuindo também para “chamada” de investimentos e pessoas para zonas do interior.