Quatro eixos, 30 medidas: Veja as propostas do pacote anticorrupção que o Governo vai apresentar

O Governo português aprovou, esta quinta-feira, um ambicioso pacote anticorrupção durante a reunião do Conselho de Ministros. Apesar de a apresentação do pacote de 30 medidas só acontecer esta tarde, já se conhecem praticamente todas.

Entre as propostas do Executivo de Luís Montenegro, destaca-se a criação de um mecanismo alargado de penhora de bens resultantes de corrupção, mesmo sem condenação judicial, uma das iniciativas mais polémicas do plano. Este pacote inclui mais de 30 medidas, distribuídas em quatro eixos principais: prevenção, punição efetiva, celeridade processual e proteção do setor público.

Esta agenda anticorrupção foi uma das promessas eleitorais de Luís Montenegro. Durante a sua tomada de posse, Montenegro comprometeu-se com uma agenda “ambiciosa”, “eficaz” e “consensual” de combate à corrupção. A Ministra da Justiça, Rita Alacão Júdice, que passou os últimos dois meses a reunir-se com partidos políticos, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Conselho Superior de Magistratura (CSM), reconheceu que as questões menos consensuais deveriam ficar fora do pacote.

Assim, ficaram de fora medidas como o aumento das molduras penais e a extensão dos prazos de prescrição. Ainda assim, o Governo acredita que as medidas propostas são “prementes” e “eficazes” para prevenir e travar a corrupção.

Veja abaixo as medidas já conhecidas do documento do Governo, a que o Expresso teve acesso.

Medidas de Prevenção

Na área da prevenção, o Governo propõe várias medidas:

  • Regulamentação do Lobbying: Uma questão há muito defendida por muitos partidos no Parlamento, exceto pelo PCP e Bloco de Esquerda.
  • Mecanismo de Pegada Legislativa: Serão registadas todas as interações com entidades externas e consultas durante o processo legislativo, à semelhança do Parlamento Europeu.
  • Portal BASE: Aumentar as funcionalidades do portal que reúne informações sobre contratos públicos, facilitando a pesquisa e disponibilizando informação mais alargada sobre os contratos.
  • Cartas de Missão da Administração Pública: Incluir um compromisso com o “cumprimento pleno do Regime Geral de Prevenção da Corrupção”.
  • Avaliação da Entidade para a Transparência (EpT): Aguardar uma avaliação do funcionamento da EpT, que fiscaliza as declarações de rendimento e património dos políticos, para decidir sobre possíveis melhorias no quadro legal e na plataforma informática.

Confisco de Bens e Punição Efetiva

Uma das medidas mais significativas no campo da punição é a criação de um mecanismo de perda alargada de bens a favor do Estado, baseado na Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, e na diretiva europeia 2024/1260. Este mecanismo permitirá que a perda de bens possa ser declarada mesmo sem condenação por um crime específico, em determinadas condições, visando contornar a inconstitucionalidade do confisco de bens.

O pacote também inclui:

  • Agravamento da Pena Acessória: Proibição do exercício de funções públicas e políticas para condenados por corrupção.
  • Alargamento da Proteção de Denunciantes: Proposta apresentada pelo PAN.
  • Equiparação das Coimas: As coimas previstas no Regime Geral de Prevenção da Corrupção serão equiparadas às da legislação de combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.
  • Lista Negra de Fornecedores do Estado: Garantir maior informação sobre entidades que corrompam agentes públicos e estejam impedidas de aceder à contratação pública.

Celeridade Processual e Reforço da Justiça

Para combater a morosidade dos processos judiciais, o Governo quer implementar medidas urgentes que reduzam o número de processos pendentes na jurisdição administrativa e fiscal e promover uma maior especialização dos tribunais. Propõe também:

  • Reforço dos Poderes do Juiz: Condução e apreciação dos processos.
  • Digitalização dos Processos Judiciais: Acelerar o tratamento da prova.
  • Formação Contínua de Magistrados e Funcionários Judiciais: Reforçar a formação para aumentar a eficácia no combate à corrupção.
  • Redução da Amplitude da Fase de Instrução em Processo Penal: Limitar a possibilidade de apresentar recursos com intenção meramente dilatória.

Formação e Sensibilização

No campo da prevenção, o Governo propõe ainda:

  • Sensibilização Anticorrupção no Ensino: Incluir a necessidade de combater a corrupção desde o ensino básico até ao ensino superior.
  • Formação Contínua para Agentes Públicos: Promover uma cultura de integridade.
  • Transparência no Processo de Seleção de Cargos Públicos: Mais rapidez e transparência na seleção de candidatos para cargos de direção superior pela CRESAP, reduzindo ao mínimo as nomeações em regime de substituição.

Avaliação e Estratégia Futura

O Governo compromete-se a avaliar a Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-24, antes de preparar a nova estratégia para 2025-28. Este processo incluirá uma análise da execução e dos benefícios das medidas implementadas.

Medidas Recuperadas e Novas Iniciativas

Algumas medidas, como a pegada legislativa, já tinham sido propostas pelo Governo de António Costa em 2021. A proposta de criminalização do enriquecimento ilícito também é uma questão antiga, frequentemente debatida mas bloqueada pelo Tribunal Constitucional. A ministra da Justiça, Rita Alacão Júdice, reforça o compromisso com a “disponibilização pró-ativa de documentos e dados administrativos”.

Para garantir maior eficácia no combate à corrupção, o Governo pretende aumentar o valor das coimas no caso de incumprimento das regras de prevenção da corrupção e reduzir a amplitude da fase de instrução em processo penal, de forma a limitar a possibilidade de apresentar recursos meramente dilatórios.

Da mesma forma, segundo o documento, o Governo quer ainda rever o modelo de acesso ao Tribunal Constitucional, assim como avaliar um aprofundamento da especialização dos tribunais.