Como era Portugal antes de 1974? Cinco décadas depois, veja as mudanças que o 25 de Abril trouxe ao país

Celebra-se esta quinta-feira o 50º aniversário do 25 de Abril, o que constitui um bom motivo para mostrar as diferenças entre Portugal de 1974 e o atual, fornecendo pistas sobre os desafios que persistem.

De acordo com a Pordata, a base de dados estatísticos da Fundação Francisco Manuel dos Santos, há várias mudanças ocorridas que importa realçar, especialmente no que respeita à demografia, ao perfil da população em geral e das famílias em particular, à modernização do país em termos de transportes, ao acesso à saúde e educação, às conquistas no mundo do trabalho e proteção social, ou às condições de vida dos portugueses.

Vamos por partes:

Demografia

O país envelheceu e tornou-se mais cosmopolita

Entre 1974 e 2022, a população em Portugal cresceu de 8,8 milhões para 10,4 milhões e o perfil demográfico alterou-se: há menos crianças e jovens com menos de 15 anos (-45%) e quase triplicou o número de pessoas com 65 ou mais anos (+190%).

Em cinco décadas, Portugal foi o país da União Europeia onde mais aumentou a população sénior e o 3º que mais perdeu crianças e jovens. Foi também o país da UE que mais inverteu a posição do seu índice de envelhecimento: de 1º país com menos idosos por jovens para o 2º com mais idosos por jovens. Mais: hoje temos menos filhos e que vivemos mais. Atualmente, uma pessoa com 65 anos pode esperar viver em média mais 20 anos, mais sete do que há cinco décadas.

A composição da população também mudou e a sociedade portuguesa tornou-se mais cosmopolita. Em 1974, era reduzido o número de estrangeiros a viver no país e hoje a comunidade estrangeira representa 7,5% dos residentes. De destacar, com maior importância numérica, os cidadãos brasileiros (240 mil) e do Reino Unido (45 mil).

As famílias mudaram: há mais divórcios e uniões de facto

A democracia trouxe mudanças à família. Em 1975, passam a ser permitidos os divórcios entre casamentos católico. Em quase 50 anos, os divórcios aumentam 24 vezes e os casamentos caem para metade. Com a laicização da sociedade, os casamentos católicos perdem expressão: em 1974, 8 em cada 10 casamentos eram celebrados pela Igreja Católica e hoje não chegam a 3 em cada 10. Em contrapartida, crescem as uniões de facto. De acordo com os Censos de 2021, mais de um milhão de pessoas estavam, nesse ano, em união de facto (11% face a 4% em 2001). E, em 2010, foram registados os primeiros casamentos entre pessoas do mesmo sexo.

Esta secularização da sociedade trouxe mais dados: hoje, 6 em cada 10 bebés nascem fora do casamento. Há 50 anos, estes bebés representavam 7% dos nascimentos, não obstante os mais de 15 mil bebés nascidos, em média, todos os anos, de pais e mães não casados.

Hoje, uma família é composta, em média, por 2,5 pessoas e, em 1970, era por 3,7 pessoas. A proporção das famílias numerosas, com 5 ou mais elementos, desceu 22 pontos percentuais e cresceu o peso das pessoas que vivem sozinhas (em 15 pontos percentuais).

Adiantou-se em cerca de 10 anos a idade média do primeiro casamento, as mulheres têm o primeiro filho, em média, sete anos mais tarde. Nestas cinco décadas, os nascimentos diminuíram para metade (172 mil para 84 mil) e Portugal passou de 4º país da UE com maior taxa bruta de natalidade para o 5º com menor taxa bruta de natalidade, a seguir a países como Itália ou Espanha.

Acesso à saúde generalizou-se

Os portugueses ganharam maior acesso à saúde, o que permitiu uma maior longevidade e qualidade de vida. Uma das áreas onde se verificou maior impacto destas transformações foi na sobrevivência dos bebés. A evolução dos cuidados materno-infantis e a evolução das condições socio-económicas explicam o recuo sem precedentes da mortalidade infantil.

Em 1974, Portugal era o país da União Europeia onde mais crianças morriam com menos de um ano: 38 por cada 1.000 nascimentos (a média na UE era de 21). Em 2022, Portugal ocupava o top dez dos países com menor taxa de mortalidade infantil (2,6‰, sendo a média europeia de 3,3‰). É de lembrar que, em 1970, apenas 38% dos partos ocorriam em estabelecimentos de saúde. Cinco anos depois, este valor já era de 61% e, atualmente, praticamente todas as crianças nascem em hospitais.

Estas transformações no sistema de saúde associam-se igualmente à modernização dos serviços e ao crescimento do número de profissionais de saúde. Em cinco décadas, o número de médicos aumentou quase 5 vezes, e o de enfermeiros quase 4 vezes. Em 2021, estavam registados nas respetivas ordens profissionais 564 médicos e 771 enfermeiros por cada 100 mil habitantes. Contudo, os Censos de 2021 registam um número inferior de médicos e enfermeiros que responderam estar efetivamente a trabalhar na área da Saúde em Portugal.

Educação democratizou-se: há cinco décadas, um em cada quatro portugueses era analfabeto

Uma das maiores conquistas do 25 de Abril foi a democratização do acesso ao ensino. Em 1970, um em cada quatro (25,7%) era analfabeto, o correspondente a 1,8 milhões de pessoas (64% das quais mulheres). A taxa de analfabetismo baixou para 3,1%, em 2021, atingindo 293 mil pessoas.

Grosso modo, até à década de 1970, as crianças não frequentavam além dos 4 anos do ensino primário, o atual 1º ciclo, mas com o aumento da escolaridade obrigatória generaliza-se o acesso ao ensino, como demonstra a taxa real de escolarização. Atualmente, com exceção do secundário, mais de 90% das crianças frequentam os diferentes ciclos de ensino.

Também o acesso ao ensino superior se tornou uma realidade: em 2023, há cinco vezes mais alunos do que em 1978 (446 mil vs. 82 mil), e há mais mulheres do que homens. De acordo com os Censos de 1970, apenas 49 mil pessoas em Portugal tinham o ensino superior, não chegando a 1% da população com 15 ou mais anos. Os Censos de 2021 registaram 1,8 milhões de pessoas com este grau de ensino, o equivalente a 20% da população; 60% são mulheres.

Trabalho: mulheres entraram em força

O mundo do trabalho recebeu grandes conquistas devido à revolução de 1974, tais como a implementação do salário mínimo nacional, os subsídios de Natal e de férias ou o direito à greve. Para além do trabalho passar a ser exercido com mais direitos, importa lembrar que, durante a ditadura, o desinvestimento na educação, com os reduzidos anos de escolaridade obrigatória, e a pobreza levavam muitas crianças a trabalhar desde cedo. De acordo com os Censos de 1960, eram mais de 168 mil e, nos Censos de 1970, registaram-se cerca de 91 mil crianças, entre os 10 e os 14 anos, a trabalhar.

A entrada da mulher no mercado de trabalho é outra das grandes transformações: em 1970, apenas 25% das mulheres com 15 ou mais anos trabalhavam. Em 2021, esse valor é de 46%.

Maior proteção social em situações de vulnerabilidade, como desemprego ou pobreza

É só na década de 1970 e 1980 que se concretiza um efetivo sistema de segurança social, no sentido do alargamento da proteção social ao conjunto da população e à melhoria da cobertura das prestações sociais. Entre 1974 e 2022, as pensões de velhice atribuídas pela Segurança Social aumentaram de 441 mil para 2 milhões.

Também se registaram importantes avanços na criação de medidas de proteção à infância e à família, ou às situações de maior vulnerabilidade, como o desemprego ou a pobreza. Exemplos destas medidas são o complemento social para idosos ou o rendimento social de inserção. A importância da proteção social é visível pelo aumento das despesas das prestações sociais da Segurança Social: entre 1977 e 2022, estas despesas cresceram de 5% para 12% face ao PIB.

Há 50 anos, mais de metade das casas não tinham duche/banho nem água canalizada

De acordo com os Censos de 1970, era frequente a inexistência de instalações básicas nas casas:

· 68% não tinham duche ou banheira

· 53% não tinham água canalizada

· 42% não tinham instalações sanitárias

· 40% não tinham esgotos

· 36% não tinham eletricidade

Os Censos de 2011 registam que, pelo menos, 98% das casas têm já estas instalações.

Nos últimos anos, o aumento dos preços das casas veio relançar o debate sobre a habitação. Apesar de, em Portugal, 70% dos alojamentos de residência habitual serem casas próprias, é de ressalvar que 18% das pessoas diz-se incapaz de aquecer convenientemente a sua habitação e 29% dos inquilinos vivem em sobrecarga financeira com as despesas de habitação.

Circulação pelo país faz-se muito mais rapidamente

Nestes 50 anos, com a adesão à União Europeia, a modernização do país, em termos de transporte, passou por uma aposta nas infraestruturas rodoviárias: a partir de 1997, acelera-se o crescimento da rede de autoestrada e, atualmente, há mais quilómetros de autoestradas do que caminhos de ferro.

Em 1974, havia mais de 3.500 Km de linhas de caminho de ferro em atividade. Em 50 anos, 29% das linhas ferroviárias foram desativadas, sobretudo no Interior de Portugal continental.

Por sua vez, o transporte aéreo conheceu um substancial aumento. Em 1974, efetuaram-se 36 mil aterragens, com 4,6 milhões de passageiros, nos aeroportos portugueses. Em 2022, o número ascende a 218 mil aterragens e a 56,8 milhões de passageiros. Este impulso fica-se a dever também ao aumento da procura de turismo. O registo do número de dormidas de turistas em Portugal, entre 1974 e 2022, cresceu de 9,4 milhões para 69,7 milhões.