“Somos, socialmente, uma coletividade pacífica de revoltados.”
Opinião de Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati
Reconheço que reli recentemente o texto de Miguel Torga cujo extrato retirei acima e aqui incluo na totalidade: “É um fenômeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma coletividade pacífica de revoltados.”
O nosso país tem cerca de 17% de pobres (e só não há mais por causa das transferências sociais do estado), inflação galopante, taxas de juro elevadíssimas, baixos salários (mínimo e médio), um nível de emigração de talento jovem elevada, quase dois milhões de cidadãos sem médicos de família, no final do 1.º período escolar mais de 50 mil alunos estavam sem professor atribuído, uma carga fiscal das maiores da OCDE, empresas descapitalizadas, não há habitação para todos, baixa natalidade, insucesso escolar, corrupção, falta de credibilidade dos políticos, manifestações e greves diárias recorrentes, uma justiça ineficiente… 65% dos portugueses considera que o país está pior do que há um ano, 22% dizem que está igual segundo uma sondagem da Cesop. Depois de 8 anos de governo. Mas com “contas certas”!
O que é mais estranho é que se as eleições fossem agora, o Partido Socialista, que governou nos últimos anos, ganharia as eleições. Não com maioria absoluta, mas à frente do PSD. O Chega surgiria como terceira força política. A percentagem de inquiridos indecisos é de 17%. Bem sei que as sondagens “valem o que valem”, mas é um indicador. Ou seja, criticamos, berramos, indignamo-nos, mas no final somos “uma coletividade pacífica de revoltados.” E com isto não quero sugerir o voto em nenhum partido. Estou apenas a tentar ser consequente!
E continuamos a ouvir o discurso da direita e da esquerda como ideologia política, quando os partidos ao centro, não se distinguem. A social-democracia e o socialismo Português são sobreponíveis. Ambas defendem um Estado que tenha o papel de fazer da sociedade um lugar de oportunidades iguais para todos embora respeitando a iniciativa individual. Lutam por maior regulamentação e impostos sobre as empresas (embora todos afirmam o contrário na questão fiscal). Querem a igualdade de rendimento, maiores taxas de imposto sobre os ricos, gastos governamentais em programas sociais e infraestrutura. Ambas ideologias esperam que o governo garanta o bem-estar social gerado a partir de impostos proporcionais, mas respeitando a meritocracia. Ambas acreditam no Sistema Nacional de saúde (que inclui SNS, privado e social) significando que o acesso aos cuidados de saúde é um dos direitos fundamentais a todos os cidadãos e deve ser garantido pelo Estado. Ambas acreditam na escola pública. E isto tudo com “contas certas” e redução da dívida pública.
Não há diferença ideológica, mesmo lembrando o PPD que agora se tornou no PSD. Apenas existem diferenças nos discursos, acentuado entre esquerda e direita em períodos eleitorais. Pois para os mais velhos e para aqueles que estão de alguma forma ligados ao estado: esquerda significa uma ideologia e a direita o seu “quase oposto”, reminiscência do pós 25 de Abril e do exemplo de muitos países que experimentaram estes modelos. E apesar de termos 4,9 milhões de trabalhadores empregados (muitos dos quais desacreditam da política e dos políticos, sendo uma fatia considerável da elevada abstenção que se verifica nos atos eleitorais os cidadãos até aos 44 anos), também temos 4,3 milhões de Portugueses que dependem diretamente do Estado. Através de pensões de velhice, invalidez ou sobrevivência (2,99 milhões de pessoas), da Caixa Geral de Aposentações (cerca de 700 mil) e cerca de 738 mil funcionários públicos. Ou seja, 43% da população (que habitualmente vota). Talvez por isso se acentue neste período (de eleições) a demagogia do discurso ideológico (que afinal não existe entre os partidos do “centrão”)!
Em conclusão, é útil para muitos, no nosso país, sermos “uma coletividade pacífica de revoltados.”