É melhor ensinar a pescar do que dar um peixe

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

Diz um velho ditado “é melhor ensinar a pescar do que dar o peixe”. Pois foi exatamente esta expressão que me ditou o tema para este artigo. E isto aplica-se muito ao caso da ajuda a África.

Todos conhecemos o problema da pobreza social e económica em certas zonas de África que provoca êxodos populacionais, nomeadamente para a Europa. A velha caridade já não funciona. Há que ajudar a criar riqueza, a resolver os problemas, a fixar as populações. Mas ajudar dando ferramentas e não apenas “combustível” financeiro. Dito isto, vou falar agora apenas de um caso específico que pode evidenciar uma forma positiva de ajuda.

É sabido que em grande parte de África, mas não só, se cozinha e se aquece com base em lenha ou carvão, um uso ineficiente da biomassa disponível. Ora, em zonas mais povoadas a procura destes combustíveis vai provocando desflorestação – com impacto nos ecossistemas e na biodiversidade – e aumentando o raio de procura, por vezes chegando a dezenas de kms. Paralelamente a este problema a poluição doméstica devida a estes hábitos provoca um risco acrescido de muitas doenças. Trata-se, portanto, de um problema económico, ambiental e de saúde.

Como exemplo, refira-se que a Associação Portuguesa de Luta Contra o Cancro do Pulmão refere que esta doença também afeta quem não fuma. Embora o tabagismo seja a principal causa desta enfermidade, existem outros fatores que contribuem para o aumento de casos de cancro do pulmão. Aquecer a casa, ou cozinhar, com combustíveis sólidos (usualmente madeira ou carvão) são outros dos fatores que contribuem para o aumento do número de casos verificados. Outro dado, da Organização Mundial de Saúde, refere que centenas de milhares de africanos morrem anualmente devido a este problema das doenças respiratórias em geral.

Assim, uma das soluções será a introdução no mercado africano de fogões e/ou fornos com uma combustão mais “limpa” que usem biomassa disponível que não a citada e de forma muito mais eficiente. Esses fornos já existem no mercado, mas são caros para o poder de compra médio do cidadão comum africano. E é preciso criar um circuito de produção e logístico de novos tipos de biomassa adequados.

Assim sendo, que tipo de biomassa utilizar? Neste caso a aposta deverá ser a utilização de biomassa residual de origem agroindustrial, que possua as características necessárias para o uso previsto e que não tenha uso ou seja usada ineficientemente. Há que transformar essa biomassa num combustível de alta densidade e estabelecer cadeias de abastecimento adequadas. Claro que de forma adaptada a cada zona/país.

Uma das propostas de ajuda poderá também ser proporcionar o fabrico do tipo de equipamentos necessários localmente, diminuindo custos e promovendo o emprego, provocando inputs positivos por esta via. É este tipo de “ferramentas” que será necessário disponibilizar.

Poderá, deste modo, ser aproveitado um combustível alternativo para o chamado clean cooking, aumentando a eficiência energética, reduzindo as emissões e melhorando a qualidade do ar, com um impacto positivo na saúde das populações abrangidas. Será assim possível acelerar a transição energética global e o acesso a energia limpa de uma forma inovadora, sustentável, baseada numa economia circular e assente num sistema win-win.

E este é apenas um exemplo de um tipo de cooperação que urge concretizar.

 

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