Nova variante “mais infeciosa” da Covid-19 circula há um mês sem controlo em Portugal. Especialista avisa para “possível aumento de casos” e sugere cuidados

A nova variante EG.5 da Covid-19 está a ganhar força em vários pontos do mundo, e Portugal não é exceção. A estirpe, conhecida como Eris, já foi designada “de interesse” pela Organização Mundial de Saúde (OMS), e, segundo dados do Instituto Ricardo Jorge, avançados à Executive Digest por Gustavo Tato Borges, já circula no nosso país há mais de um mês, passando ‘despercebida’ devido ao facto de se fazerem menos testes.

Ainda a respirar após receber a Jornada Mundial da Juventude,  verificou-se um aumento exponencial de casos em Portugal que, segundo explica em entrevista à Executive Digest o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP), levanta a dúvida sobre se foi devido a uma maior concentração de pessoas num grande evento, se foi pelos esforços das autoridades de saúde, de consciencialização e alerta, que levaram os peregrinos e portugueses a estarem mais atentos a possíveis sintomas, e a fazerem mais testes.

Uma coisa é certa, já não se registavam tantos casos de covid-19 desde o natal: e na última semana de julho, a variante EG.5 já era responsável por mais de metade das infeções em Portugal.

O que representa esta nova variante ‘de interesse’? Onde está a ganhar mais força? Qual é a situação em Portugal?
Neste momento esta variante está a tornar-se a variante mais importante, e a que causa maior número de casos neste momento, face às outras todas. É a que está a tornar-se dominante nos EUA, na China, no Japão, no Canadá, em França e Espanha, com grande relevância. E em Portugal com os dados da ultima semana de julho, já representava 54% das novas infeções.

Esta variante é mais perigosa? Podemos ver um regresso do ‘caos’ aos hospitais devido a hospitalizações?
Esta nova variante é mais infeciosa, ou seja tem maior capacidade de fugir ao nosso sistema imunitário e de causar sintomas e doença. Está neste momento bem implementada em Portugal e está a disseminar-se entre a nossa população.
Felizmente, daquilo que são os dados que até agora temos identificados, esta é mais uma variante com a marca da Ómicron, ou seja, com sintomas e sinais relativamente ligeiros e com baixa mortalidade e baixa taxa de doença grave. Portanto, a manter-se esta situação, e não havendo nenhuma evidência em contrário, a situação epidemiológica em Portugal continua segura e tranquila, obviamente com esse vírus, e as outras variantes, a circularem entre a nossa população sem gravidade significativa em termos de mortalidade e em termos de internamentos hospitalares.

Não devemos estar preocupados?
Neste momento não devemos estar alarmados. Mas devemos estar sempre atentos. A preocupação tem duas vertentes: quando é exagerada dói e nós não somos capazes de tomar as nossas melhores decisões; quando é consciente faz-nos estar atentos e mudar comportamentos. É essa preocupação que queremos que todos os portugueses tenham.
É preciso estarmos atentos à realidade, à nossa situação de saúde, e perceber em que alturas devemos resguardarmo-nos mais em casa, quando devemos usar máscara para nos protegermos a nós e aos outros, quando devemos ter mais cuidados com a higiene das mãos. E no contacto com familiares, colegas de trabalho. É essa preocupação e esse estado de atenção que precisamos que todos mantenham, para esta e para todas as outras doenças, obviamente.

Vimos que a nova variante levou a que os casos em Espanha e no Reino Unido, por exemplo, mais do que duplicassem de uma semana para outra. Estamos já a caminhar para um cenário desses?
A verdade é que não temos, infelizmente, evidência com suporte para saber qual é a verdadeira situação epidemiológica da Covid-19 em Portugal, porque deixámos de fazer testes a toda a gente, a toda a hora.
Os números que temos são muito pouco fiáveis para percebermos… Será que, aumentando uma quantidade de casos conhecidos, estamos de facto com um agravamento da situação epidemiológica ou simplesmente houve uma procura mais ativa? Por exemplo, nos dias da JMJ houve um aumento de casos diagnosticados de Covid-19, que podemos dizer que foi consequência de um milhão e meio de pessoas de todo o mundo e esse aumento da densidade populacional dentro da cidade de Lisboa. Mas por outro lado, também podemos pensar que foi devido à forte campanha de consciencialização da necessidade de fazer testes no caso de sintomas respiratórios. Poderá ter havido uma procura maior à realização de testes. Ficamos sempre com a dúvida se este aumento é um aumento real do número de casos ou se é de maior procura e consciencialização.

Dito isto, é possível que em Portugal vejamos um aumento do número de casos. Já vimos isto ao longo das semanas, com picos que vão subindo e descendo. O vírus circula, mas mais importante e é por isso que estamos a monitorizar de forma mais completa, estamos é preocupados em perceber se aumentam os internamentos e óbitos.

Neste aspeto, tivemos um pico no final do mês passado, mas este mês ainda mantemos números relativamente baixos e aceitáveis, portanto, não há neste momento previsões de que possa haver uma situação de agravamento epidemiológico considerável. No entanto devemos todos manter-nos atentos.

O aumento de novos casos deveu-se só ao aglomerado de gente na JMJ? Houve cuidados com as medidas de prevenção?
É difícil encontrarmos um fator único que explique essa situação. Exatamente porque há muitas condicionantes em redor do que foi a JMJ e o que isso significou. Se podemos ter assistido a um aumento de casos na jornada devido ao aumento do número de pessoas em convívio próximo em Portugal? Sim, e se calhar o numero até foi relativamente mais baixo do que o que se esperava, porque a saúde pública fez um trabalho bastante interessante para que, nos locais de alojamento coletivo onde ficaram este jovens, espalhados por todo o pais, houvessem condições para manter as pessoas afastadas e com questões de segurança em termos de cuidados de transmissão de vírus e bactérias

No entanto houve alguns momentos onde este afastamento foi impossível. Por exemplo, a noite antes da Missa do Envio, de despedida, foi uma noite em que muitos jovens pernoitaram no Parque Tejo e isso fez com que houvesse aí muito maior proximidade e contacto. Porque não era um local onde estaria pensado os peregrinos pernoitar.
Pode ter havido de facto um aumento de casos pelo aglomerado de pessoas que existiram, num evento de massas que é sempre um risco para as questões de saúde pública. Mas também pode ter havido uma consciencialização maior e uma maior procura dos serviços de saúde sempre que havia uma suspeita de uma doença. Podemos ter diagnosticado mais e não ter havido um aumento significativo.
São dúvidas que permanecem, só poderíamos tirar se de facto tivéssemos um sistema de vigilância epidemiológico da Covid que monitorizasse todos os casos.

Perante esta ameaça da nova variante, que conselhos deixa à população?
Diria para manterem sempre a vigilância constante do seu estado de saúde e relembrar constantemente que, se ficarmos doentes, podemos transmitir a doença a alguém à nossa volta, e mesmo que esse alguém possa ser saudável e não ficar com doença grave, pode ter um avô, um pai um tio, alguém mais velho, que pode vir a ser infetado e a morrer. E por isso, eu tenho que respeitar as pessoas que estão à minha volta e cuidar de evitar transmitir essa e outras doenças a quem me rodeia.
É preciso atenção se tivermos alguns sintomas ou sinais respiratórios, como tosse, febre, pingo no nariz, perda do olfato ou do paladar, ou sintoma de mal-estar geral, e algumas suspeitas de problemas respiratórios: usar máscara é extremamente importante. Lavagem de mãos continua a ser extremamente importante. Evitar contactos próximos se estamos doentes e manter esta atenção. E a atualização vacinal para os que dela vierem a necessitar é essencial. As pessoas que foram elegíveis para fazer essa vacinação devem fazê-la.
A Covid não desapareceu. A Covid não acabou. Acabou o estado de pandemia, felizmente, porque tomámos medidas para nos proteger com a vacinação e outras. Mas não podemos mesmo descurar, porque depois vamo-nos arrepender.