Gripe das aves já se transmite entre pequenos mamíferos e especialistas temem que os humanos sejam os próximos
Foi no outono passado que gaivotas e gansos-patolas mortos começaram a dar à costa na Galiza, vítimas da pandemia da gripe aviária H5N1 que já matou milhões de aves, em cativeiro e meio natural, por todo o mundo.
Depois, em outubro, observou-se algo inédito. Numa quinta a poucos quilómetros, milhares de martas começaram a morrer, infetadas com o mesmo ‘vírus aviário’.
Os cientistas acreditam que as condições da quinta, onde dezenas de milhares de animais são mantidos em espaços confinados, permitiu que o vírus sofresse mutações e conseguisse disseminar-se entre mamíferos, um fenómeno que foi também reportado no Reino Unido esta semana.
Neste caso, raposas e lontras ficaram infetadas após se terem alimentado das carcaças das aves.
Em pouco mais de um mês, mais de 4% de todas as martas na quinta espanhola morreram com a pneumonia hemorrágica que o vírus causa. Trabalhadores foram medicados e postos em quarentena, e os restantes mais de 50 mil animais da exploração foram todos abatidos pelas autoridades.
O que aconteceu em La Coruña é o que os especialistas chamam um “evento de transbordo” do vírus, de uma espécie para outra, e alertam que é um acontecimento deste tipo que estará na origem da próxima pandemia humana global.
“Evidências em laboratório e no terreno demonstraram que as martas são suscetíveis e permissivas a vírus aviários e humanos da influenza A (gripe), e podem servir como um potencial veículo de mistura de transmissão interespécies entre pássaros, mamíferos e humanos”, alerta um estudo publicado na Eurosurveillance.
Ainda que a forma mutada do H5N1 que se terá espalhado entre as martas pareça não ter ‘saltado’ facilmente para os humanos, vários especialistas e cientistas apontam que as quintas de produção de peles com estes e outros animais podem revelar-se incubadoras ou reservatórios do vírus, como aconteceu com a Covid-19 e outras doenças com origem em animais.
“Não aconteceu desta vez, e pode nem acontecer, mas é um dos cenários que dará origem a uma nova pandemia. Estamos a brincar com o fogo”, alerta Marion Koopmans, virologista e diretora de departamento no Erasmus Medical Center Rotterdam, em declarações ao The Telegraph.
Também Jeremy Farrar, o novo cientista-chefe da Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que o maior risco de uma nova pandemia está em animais que façam a ligação da transmissão viral entre aves e humanos.
“Agora parece que se transmite entre mamíferos, e isto é algo que não queremos ver. Significa que há uma oportunidade para o vírus ganhar mutações que o tornem mais transmissível, para humanos”, explica o responsável.
Um total de 864 casos de infeções por H5N1 em humanos foram reportadas desde 2003, segundo a OMS, com 556 mortes registadas, o que lhe confere uma taxa de fatalidade de 50%. A maioria dos casos ocorre em trabalhadores que cumprem funções em contacto próximo com aves.
As opiniões dividem-se e, se por exemplo em Espanha as associações de produtores dizem que o caso detetado é prova de que a testagem está a funcionar, os médicos consideram que os riscos são demasiados. “O risco de saúde pública é tão alto, que pesa mais do que qualquer benefício de ter quintas do género”, considera Elisa Pérez virologista do Instituto Nacional de Investigação de Saúde Animal espanhol.
Os riscos são maiores se pensarmos que outras espécies, como gatos, ratos, ratazanas ou morcegos podem entrar em contacto com as martas nas referidas quintas.
“Pássaros selvagens podem aceder às instalações, e já vimos uma mutação adquirida que permite ao vírus passar de mamífero para mamífero. Para ter casacos de peles, este é um risco que não queremos ter”, considera Matthew Baylis, diretor de epidemiologia da Universidade de Liverpool.