Portugal não era conhecido por ser um destino preferido pelo grande capital russo mas, segundo apontou esta sexta-feira uma investigação da ‘CNN Portugal/TVI’, há ligações de milhões de euros disfarçados através de uma rede de empresas ligadas a amigos e familiares de Tatyana Gorikova, que foi funcionária pública mas que assumiu papel de destaque no Kremlin: desde 2018, é vice-primeira ministra com responsabilidade nas áreas da Política Social, Trabalho e Saúde.
Vladimir Khristenko, enteado de Golikova e ligado à farmacêutica Generium, responsável pela vacina contra a Covid-19 ‘Sputnik V’, é o ‘rosto’ da operação em Portugal desde, pelo menos, 2012. A ligação da vice-primeira-ministra russa a Portugal foi desvendada por uma investigação da equipa do opositor russo Alexei Navalny, da Fundação Anti-Corrupção – além de uma casa no Guincho e outra em Cascais, há ainda dois hotéis de cinco estrelas: o Senhora da Guia Cascais Boutique Hotel, onde estão um dos melhores campos de golfe do país, e o Farol Hotel.
João Paulo Batalha, ex-presidente da associação Transparência e Integridade, situou a partir de 2012 a transferência significativa de capital russo para Portugal: primeiro através dos vistos gold, depois através de outros mecanismos, como a naturalização por ascendência sefardita utilizada por Roman Abramovich para obter a cidadania portuguesa. “Vem a partir do momento em que Portugal começa a abrir portas para o investimento. Coincide com a nossa crise e com a chegada da troika, numa altura em que os incentivos políticos eram todos para abrir os braços e fechar os olhos, ou seja, captar dinheiro, viesse de onde viesse, sem fazer muitas perguntas.”
A ligação de Tatyana Golikova não deixa dúvidas: “Este dinheiro é, de certeza absoluta, sujo. Na Rússia, ninguém enriquece com um salário de político. É seguramente da rapina do povo russo protagonizada pelo estado russo e liderada pelo presidente Putin”, precisou João Paulo Batalha. “Este tipo de negócio tem todas as marcas de um negócio de lavagem de dinheiro pelos montantes envolvidos e pela maneira como o dinheiro circula, por termos as mesmas pessoas a comprar e a vender. São simulacros de negócio, na verdade fictícios, com recurso a muitos mecanismos de dissimulação ou offshores e exatamente com o objetivo de lavar dinheiro.”
A presença de grandes investimentos russos em território europeu é uma tática comum entre os bilionários do Kremlin. Reino Unido, Itália, França, Espanha e agora Portugal. O dinheiro russo tem-se espalhado pela Europa há décadas, praticamente sem barreiras, até às sanções que resultaram da invasão da Ucrânia. “Penso que agora é bastante óbvio porque é que o dinheiro russo não devia circular livremente na Europa. Porque é que este fluxo tem de ser travado e o que tem de mal. Este dinheiro está encharcado em sangue”, referiu Maria Pevchikh, diretora do departamento de Investigação da fundação de Alexei Navalny.
João Paulo Batalha acusou o Governo português de “inércia”. “Tem tido uma atitude de uma enorme complacência que não sei se é fruto de cumplicidade ou de mera incompetência, mas que tem como resultado Portugal ser um porto seguro para lavagem de dinheiro de oligarcas de muita natureza, incluindo de oligarcas russos, incluindo pessoas que estão politicamente e, eventualmente, até militarmente empenhadas na guerra da Ucrânia.”














