To pellet or not to pellet

por Luís Gil, Vice-Presidente do Centro da Biomassa para a Energia

Muito se tem falado nos últimos tempos sobre o grande aumento do preço dos pellets e/ou a falta deste produto no mercado. Os pellets em questão, designação anglo-saxónica por que são geralmente designados, ou péletes em língua portuguesa, são definidos, de uma forma simplista, como um biocombustível sólido feito de biomassa comprimida.

Segundo informação recente, existem em Portugal 26 fábricas de péletes. Estimativas de 2021 apontam para a produção nacional de cerca de 815 000 toneladas de péletes de madeira, das quais foram exportadas cerca de 510 000 toneladas, a maioria das quais para quatro países por ordem quantitativa decrescente: Reino Unido (~43%), Espanha (~25%), Dinamarca (~24%) e Holanda (~8%). Estima-se que a fração exportada este ano seja superior. Atualmente, segundo dados da ZERO, a capacidade total instalada a nível de produção de péletes a nível nacional é superior a 1,7 milhões de toneladas por ano.

Embora em 2021 esta produção tenha diminuído ligeiramente em relação a 2020, a construção de novas fábricas de péletes e a reabertura de outras deverão permitir aumentar a produção em 2022. Também segundo a ZERO, estas novas instalações aumentaram a capacidade de produção em Portugal em cerca de 50%.

Apesar deste aumento da capacidade de produção, com a forte procura a que se tem assistido atualmente, quer do mercado interno, mas sobretudo do mercado externo, nomeadamente o europeu, constata-se que muitas das unidades de produção já têm ou preveem vir a ter toda ou a quase totalidade da produção futura vendida para o referido mercado externo, sobretudo para grandes centrais de produção de energia, não se verificando atualmente qualquer tipo de restrição à exportação de péletes em Portugal.

Esta situação, justificada pela guerra na Ucrânia e pelo “disparo” dos preços do gás natural e eletricidade, leva a que já se verifique falta de péletes no mercado nacional para aquecimento doméstico e institucional e para utilizações industriais, com o consequente aumento significativo do seu preço. A título de exemplo, um saco de 15kg de péletes custava, em 2021, entre 3,5€ e 4,5€, e atualmente custa, nalguns casos, já mais de 10€.

Num programa muito recentemente emitido na televisão (Panorama BBC Internacional), era referida a utilização de madeira maciça de árvores de florestas primárias no Canadá para a produção de péletes. Estes destinavam-se a posterior queima para a produção eletricidade na Central da Drax no Yorkshire/Reino Unido, que agora passou a usar péletes em vez de carvão, tendo recebido milhares de milhões de euros de subsídios para reduzir emissões. Era também referido que as emissões de CO2 emitidas por esta via não eram contabilizadas nos países onde existe este tipo de queima, o que os ajuda a tentar chegar às metas de descarbonização estabelecidas. Muitos destes péletes têm origem em locais longínquos, não sendo contabilizada a pegada de carbono do transporte.

Neste domínio será de referenciar também um artigo publicado (Jorge Costa, in Público de 17 de Novembro, p. 8) que sucintamente refere que no consumo dedicado a aquecimento do ambiente doméstico, uma em cada dez casas aquecidas recorre a péletes, com a recente massificação da utilização de salamandras. Além disso, os subsídios à queima de biomassa para produção de eletricidade e a produção de péletes assentam no bom aproveitamento dos resíduos florestais e não na utilização de madeira não residual.

Acresce ainda que será de garantir o abastecimento a nível nacional e o uso dos péletes geograficamente mais próximo da produção, em consonância com as melhores regras e necessidades ambientais, evitando um modelo extrativista.

O último relatório estatístico sobre péletes da Bioenergy Europe refere um aumento em 2021 do consumo de péletes a nível da UE-27 para cerca de 24,5 milhões de toneladas, mas com uma produção endógena de apenas 20 milhões de toneladas, com um aumento de 2020 para 2021 a nível residencial e comercial entre 12–18%, forçando a importações.

Face a esta situação e à preocupação crescente que se sente a vários níveis, poderiam e deveriam ser consideradas várias possibilidades de atuação, de forma individual ou conjuntamente:

  • Considerar um mecanismo de obtenção de receita adequado ligado à exportação dos péletes; dado o elevado preço do gás natural e da eletricidade, os compradores externos conseguiriam suportar este acréscimo de custo ficando, ainda assim, com uma solução concorrencial, não prejudicando a produção e venda do produto; além disso, elevando o custo de exportação poderia haver menos procura externa, libertando produto para consumo interno, que tem falta deste produto, sendo que podem ser geradas verbas, por exemplo, para apoio à reflorestação e à melhoria da gestão/produção florestal ou mesmo à gestão e ao aproveitamento energético de espécies lenhosas invasoras;
  • Para contrariar/amenizar a escalada dos preços a nível nacional, poderia ser considerada uma redução do IVA sobre os péletes, da atual taxa máxima para a taxa intermédia ou mínima; a limitação/fixação dos preços não deve ser o caminho, pois o mercado deve funcionar, mas de forma regulada/regulamentada;
  • Deveria ser reforçada a fiscalização do tipo de matéria-prima usada na produção de péletes, de forma a assegurar que se trata de resíduos florestais ou de madeira com defeitos, doenças, etc., não suscetível de ter outra utilização de maior valor acrescentado.

Caberá agora aos stakeholders e aos decisores políticos discutir quais as melhores soluções a adotar.

Ler Mais

Comentários
Loading...