COP26: Expectativas para os mercados financeiros

Por Isabel Ucha, CEO da Euronext Lisboa

A conferência para as alterações climáticas, COP26, que terminou no sábado, 13 de Novembro, em Glasgow, traduziu-se num acordo entre 197 países, que decidiram um conjunto adicional de compromissos e regras para limitar as emissões de gases com efeito de estufa, e proteger o ambiente e a biodiversidade.

O foco destas notas que vos escrevo é identificar algumas das implicações deste acordo, para os mercados financeiros e para as finanças sustentáveis.

Uma das conclusões marcantes desta conferência foi de que é preciso mobilizar mais financiamento para a mitigação e adaptação do planeta às alterações climáticas. Os compromissos financeiros dos governos e instituições financeiras internacionais tem que aumentar, mas também é necessário mobilizar mais capital privado.

A mobilização de capital privado exige informação sobre entidades e projectos, de elevada qualidade, consistência e comparabilidade, não apenas em matéria climática, mas também sobre outros factores de sustentabilidade. E tem sido largamente apontado pelos intervenientes no mercado, que é necessário desenvolver standards/padrões adequados e respeitados por todos, globalmente. Nesse sentido, deve ser realçada a criação do International Sustainability Standards Board (ISSB), que tem como objectivo desenvolver padrões globais de reporte de informação, primeiro em matéria climática e depois sobre outros factores de sustentabilidade. Esta iniciativa poderá contribuir para o crescimento de um mercado de finanças sustentáveis credível e que ajude os investidores na sua apreciação do valor das empresas e nas decisões de investimento.

A redução das emissões de carbono tem de passar pela definição de incentivos claros, quer para as entidades com níveis mais elevados de emissões e que têm de reduzi-las, quer para aquelas que podem eliminar ou compensar essas emissões (por exemplo, através de plantações de árvores ou de sistemas industriais de captura de carbono). O desenvolvimento de um mercado de carbono verdadeiramente global, com regras claras e aceites por todos, pode ser um incentivo relevante para endereçarmos os desafios climáticos. A COP26 conseguiu, nestas duas semanas, e após seis anos de negociação, concluir um acordo sobre as chamadas regras do Artigo 6.º do Acordo de Paris, que visam estabelecer um novo mercado global de carbono. Estas regras detalham uma estrutura para a negociação de créditos que representam uma tonelada de carbono a ser reduzida ou removida da atmosfera. O desenvolvimento deste mercado deverá atrair mais fundos para investimentos que geram esses créditos – por exemplo, projectos de plantação de zonas verdes ou sistemas mecânicos de captura de carbono – que serão adquiridos por todas as entidades que procurem compensar as suas emissões de CO2. Estes desenvolvimentos poderão constituir um pilar importante no desenvolvimento de soluções de mercado e na oferta de instrumentos financeiros relacionados.

Embora o acordo alcançado possa ter ficado aquém das expectativas e das exigências do desafio que enfrentamos, as reacções de muitos executivos internacionais foram positivas. Curiosamente, constata-se que têm sido as empresas e o sector privado que parecem estar a fazer o maior esforço no sentido da assunção de compromissos claros e determinados. No mundo financeiro, é de destacar o compromisso da Glasgow Financial Alliance for Net Zero, composto por bancos, seguradoras e gestores de activos (com carteiras no valor de 130 biliões de dólares) de reduzirem as emissões associadas às suas carteiras para zero em meados do século.

O Grupo Euronext apresentou no dia 9 de Novembro o seu Plano Estratégico para os próximos três anos, designado “Growth for Impact 2024”. Um dos pilares deste plano tem o foco no desenvolvimento das finanças sustentáveis, e intitula-se “Empower Sustainable Finance”. Neste âmbito, e pela primeira vez, o Grupo Euronext assume o compromisso de se alinhar com os objectivos do Acordo de Paris, pela medida mais restrita de contribuir para não ultrapassarmos um aumento de temperatura de 1,5˚ C. Este compromisso traduzir-se-á na publicação de objectivos quantitativos, validados e certificados pela Science Based Targets Initiative (SBTI).

Este compromisso traduzir-se-á também num conjunto vasto de iniciativas, e no lançamento de produtos e serviços que apoiem as empresas e os investidores a atingirem os seus próprios objectivos climáticos. Designadamente, lançaremos duas iniciativas: um “Climate Transition Segment” (para as empresas emitentes que tenham assumido compromissos no âmbito do SBIT) e uma “Taxonomy Aligned Flag” (para as empresas que reportem informação de acordo com a Taxonomia Europeia). Estas iniciativas destinam-se a dar mais visibilidade e credibilidade às empresas que assumirem objectivos climáticos mais ambiciosos, enquanto procuramos igualmente incentivar as restantes a seguirem também esse caminho. Criaremos também uma secção dedicada às emissões de obrigações alinhadas com a trajetória 1,5º. No âmbito da mobilização da poupança para o investimento em mercado de capitais, com impactos positivos na sustentabilidade, a Euronext está a desenvolver famílias de índices com critérios ESG e também versões alinhadas com o Acordo de Paris. Estas novas famílias de índices, a que se juntam contratos de derivados (futuros e opções), permitirão acelerar o financiamento de actividades de descarbonização de activos, a par de facilitar a gestão dos riscos relacionados com as alterações climáticas. Os activos sob gestão dos ESG Exchange Traded Funds (ETFs) cotados na Euronext quase triplicaram desde 2019, mas apenas representam cerca de 150 mil milhões de euros, havendo pois ainda uma elevada margem de progressão face à dimensão do mercado global destes instrumentos.

Em suma, e no que se refere à evolução dos mercados e instrumentos relacionados com as finanças sustentáveis, a COP26 produziu avanços, que os actores dos mercados financeiros e de capitais e as empresas em geral deverão alavancar. Considerando os enormes montantes de financiamento que serão necessários para enfrentarmos a transição energética e o desafio climático, os mercados de capitais terão de, e irão ser uma parte crítica da solução.

Este artigo foi publicado na edição de Novembro de 2021 da revista Executive Digest.

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