Laureadas com o Nobel da Paz inspiram debate sobre direitos e liderança das mulheres

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Os direitos das mulheres no mundo e o seu papel enquanto força causadora de mudanças sociais foram os temas em destaque na segunda das conferências organizadas pela Mazda e que têm por objectivo debater alguns dos principais desafios da actualidade. Assim, na segunda das três ‘Barcelona Challengers Conferences’, o painel de oradores contou com a presença de duas mulheres laureadas com o Prémio Nobel da Paz em 2011, Leymah Roberta Gbowee e Tawakkol Karman, as quais se distinguiram pelo seu trabalho na defesa dos direitos das mulheres nos seus países através de acções de paz.

Como denominador comum, estas duas mulheres tiveram de enfrentar e superar desafios sociais e políticos impostos nas respectivas nações, com a liberiana Gbowee e a iemenita Karman a serem agraciadas com o Nobel da Paz em 2011, em conjunto com a também liberiana Ellen Johnson Sirleaf, presidente daquele país africano.

Sob o tema ‘A Liderança das Mulheres no Século XXI’, a conferência colocou em plano de evidência não só as experiências pessoais das duas laureadas, mas também os exemplos e casos de sucesso de outras mulheres que conseguiram atingir cargos e posições de relevo em diversas áreas, desde a política à ciência, passando pela área da comunicação.

Vontade imparável

Nascida na Libéria no seio de uma família austera mas feliz, que lhe incutiu desde nova o valor da resiliência e elevada auto-estima, Leymah Gbowee contava 17 anos de idade quando viu a primeira guerra civil liberiana iniciar-se em 1989. Desde então, esta activista empenhou-se na defesa da paz e igualdade no seu país, tendo actuado durante a guerra como assistente social e conselheira em situações de crianças traumatizadas pelo conflito armado.

“Cresci numa casa feliz. Não tínhamos muito, mas vivíamos satisfeitos com o que tínhamos. Tive aí a minha experiência de feminismo com a minha mãe e com a minha avó, que sempre nos disseram para ganharmos poder enquanto raparigas. Se eu fosse à minha avó dizer que me tinham batido, ela dizia-me para ir de volta e lutar por mim. Precisava de aprender a lutar por mim”, recorda Gbowee, abordando igualmente os anos de guerra na Libéria. “Aos 17 anos, quando a guerra chegou, tinha acabado o secundário e ia para a universidade, quando de repente tive de passar da adolescência para a idade adulta. E durante muito tempo fiquei zangada com o mundo, com a minha comunidade, com as pessoas que tinham trazido a guerra para o meu país”, relembrou.

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Nessa época tomou a decisão de lutar pelo papel das mulheres e pela igualdade de direitos na sociedade. Trabalhou com jovens traumatizados pela guerra, as chamadas crianças-soldado. Dando o exemplo de países em que a guerra redundou em situações cíclicas de geração de mais violência, Gbowee dedicou-se à demanda pela mudança da situação no país, usando “a paz e as palavras contra a guerra”. Vitais foram também os seus esforços na criação do movimento ‘Mulheres da Libéria em Acções Unidas pela Paz’ no final da segunda guerra civil do país, em 2003 e que viria a colocar um ponto final no mandato de Charles Taylor e originou a eleição de Ellen Sirleaf, primeira presidente daquele país.

Tendo vencido o Nobel da Paz em 2011, Gbowee brinca, dizendo que “a maior parte dos vencedores dos Nobel da Paz são-no com 70 ou mais anos, porque a seguir podem-se reformar indicando que trabalharam toda a vida para aquele objectivo. Eu venci-o com 39 anos. Meu Deus, não podia ir já para a reforma”. Com isso em mente, criou uma ONG, a Gbowee Peace Foundation Africa, na Libéria, com a qual procura oferecer condições de educação e de empreendedorismo para mulheres e jovens no país. Além disso, compõe o painel da Iniciativa Feminina Nobel e da PeaceJam Foundation. Mas Gbowee admite que ainda há muito por fazer no campo da igualdade social entre mulheres e homens.
“Na Europa e nos EUA, nos chamados continentes ‘iluminados’, mais avançados, a diferença salarial entre as mulheres e os homens continua a ser uma realidade nas empresas, bem como a violência doméstica e tomada de decisões sobre planeamento familiar por homens. Quando é que foi a última vez que um homem deu a luz?”, gracejou Gbowee, reforçando que a questão da discriminação entre géneros “não é apenas uma questão de mulheres, mas uma que diz respeito a toda a gente em nome da igualdade para o futuro”.
Luta pelos direitos no Iémen
Igualmente impressionante é a história de Tawakkol Karman, jornalista oriunda do Iémen que no seu percurso enquanto activista dos direitos das mulheres e na sua demanda por uma sociedade mais igualitária e democrática teve de enfrentar sérios desafios e ameaças à sua própria integridade física. Beneficiando da experiência política do seu pai, Karman teve no seu crescimento uma proximidade mais vasta com o mundo da política, acabando isso por se revelar no seu primeiro momento de activismo social – na escola.
“Em criança, o nosso professor de matemática foi transferido para outra escola, mas eu juntei-me com os meus colegas e decidimos lutar para termos de volta o professor. Fomos para a porta do conselho directivo e gritámos que queríamos o professor de volta. Quando a directora veio cá fora, zangada por estarmos a protestar, eu apercebi-me que todas as pessoas que estavam à minha volta se tinham afastado e que eu estava ali sozinha em frente à directora. Ela disse-me que me ia bater com um pau, mas eu respondi-lhe com outra pergunta: ‘se me ia bater por estar a pedir um professor melhor, uma educação melhor?’. A directora acabou por gostar do meu argumento e perdoou-me”, recorda Tawakkol Karman, evocando também a educação que recebeu enquanto criança.
“O meu pai é a minha grande inspiração, com educação fora do Iémen, tendo-se formado em advocacia no Iraque. Eu era uma das suas dez crianças e em vez de brincar durante a minha infância sempre tive curiosidade para seguir política e falar de tudo com o meu pai”, explica Karman, que explicou depois os princípios que estiveram por trás de diversos movimentos que ficaram conhecidos como a Primavera Árabe no médio Oriente.
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“Decidimos não lutar guerra com guerra, mas sim combater a guerra com a paz, o ódio com o amor, a violência com o paz. Esta é a história simples da Primavera Árabe que começou em 2011, quando milhões de pessoas nas ruas cantaram na rua pela liberdade, paz, dignidade e democracia. Assim, a história dessas pessoas, jovens e mulheres, é uma história de liberdade, de utilização de meios pacíficos para lutar, decidiram sacrificar-se. O nosso lema é paz para os oprimidos com sacrifício. Foi assim que decidimos tentar quebrar os muros do ditatorialismo, terrorismo e corrupção. Porque as mulheres e os jovens eram, antes da Primavera Árabe, vítimas dos ditadores e da corrupção. É a história de mulheres e jovens que sonhavam e praticaram sacrifícios para atingirem os seus sonhos. Eu apenas abri a porta”, enalteceu, regressando a um momento que se revelou fundamental para muitos daqueles estados.
“Durante muito tempo estive sozinha na rua, a gritar com o meu megafone, apelando à mudança, apelando a que outros jovens e mulheres se elevassem. As pessoas riam-se de mim e desvalorizavam os meus actos. Enquanto jornalista, comecei por escrever muitos artigos contra o regime e em 2006 escrevi um artigo famoso chamado “As pessoas querem derrubar o regime”, com o qual indiquei que o regime era a fonte para todos os males do país. Mas continuei sozinha. Na época recebi muitas ameaças através do meu pai, que temia pela minha vida. Fui presa muitas vezes, mas não desisti. Apenas me motivou mais, em especial quando ouvi as pessoas na rua a cantar os meus lemas de ‘liberdade, liberdade, liberdade’ e ‘as pessoas querem derrubar o regime’”.
Como parte da sua luta, criou em 2005 a organização de luta pelos direitos de expressão, liberdade e das mulheres denominada ‘Women Journalists Without Chains’, que defendia as mulheres jornalistas afectadas pela opressão da liberdade de expressão.
Hoje, mantém o seu papel de activista pelos direitos das mulheres, jovens e dos jornalistas no seu país, mesmo que esteja impedida de entrar no Iémen, procurando levar condições de dignidade e de igualdade a mais pessoas. Na sua opinião, a chave para um futuro de democracia e de igualdade está na educação, factor que considera da maior importância para a inversão da situação actual.