Covid-19: Pressão no SNS vai arrastar-se e óbitos vão continuar a subir nos próximos tempos, alerta especialista

A pandemia da Covid-19 em Portugal atravessa uma das suas piores fases de sempre e a Executive Digest procurou falar com dois especialistas na matéria, sobre previsões e outros aspetos da resposta portuguesa à crise de saúde pública.

Tiago Correia, professor de Saúde Internacional do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, da Universidade Nova de Lisboa e Óscar Felgueiras, professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto são unânimes em defender que ainda haverá uma elevada afluência hospitalar nas próximas semanas e por isso as regras de confinamento não devem ser aliviadas.

O primeiro indica que, em termos genéricos, mantendo «os padrões das ondas anteriores, o número de internamentos continuará a subir até 1-2 semanas após o pico das infeções e que o número de óbitos continuará a subir até 3 semanas após o pico das infeções».

«Nos primeiros dias de fevereiro, há suspeita que o pico de infeções seja atingido nas regiões norte e centro», se assim for, explica, «é de esperar que a pressão nos cuidados de saúde e os óbitos se mantenham em níveis elevados até perto do final do mês de fevereiro. Nas restantes regiões, caso o pico de infeções ainda não tenha sido atingido, significa que a pressão vai manter-se alta até pelo menos março», ressalva.

Já Óscar Felgueiras adianta que «ainda vamos ter pela frente um pico de pressão hospitalar», para o qual muito contribuiu «a presença dominante da nova variante», que torna assim «mais difícil conter a incidência» de novos casos. Por isso, «do ponto de vista do controlo da pandemia, quanto mais tempo for possível manter estas medidas [de confinamento], melhor», refere o matemático do Porto.

«Não me parece ser prudente aliviar medidas enquanto não houver uma diminuição significativa da incidência. Do lado positivo, teremos gradualmente o impacto da vacinação, o qual permitirá outra margem de manobra a partir do momento em que idosos estiverem vacinados», adianta.

Tiago Correia também considera que as mesmas regras devem manter-se, pelo menos «enquanto persistir uma pressão elevada sobre os serviços de saúde (na resposta aos casos Covid-19 e aos casos que não são Covid-19) e enquanto não houver capacidade de rastrear os contactos dos casos positivos». «O critério de abertura das escolas deve basear-se nas mesmas condições», considera.

«É de referir que a decisão de “ir desconfinando” deve ter em conta não apenas os dados epidemiológicos concretos, mas também o comportamento da população. A maior adesão às regras existentes e consciência do risco de contágio permite que se “vá desconfinando”, caso contrário somente perante dados epidemiológicos completamente inequívocos é possível o alívio de medidas sem comprometer a gestão da pandemia», defende.

O que correu mal na resposta portuguesa 

Perguntámos a ambos o que consideram que correu mal para que Portugal estivesse agora numa situação tão complicada, a bater vários recordes mundiais, pelos piores motivos. Tiago Correia acredita que «chegámos aqui (a chamada terceira vaga) demasiado depressa e sem olhar para todos os alertas que foram dados em devido tempo».

«O que aconteceu na primeira vaga foi o medo da população face à situação vivida em Itália e Espanha. Houve uma adesão maciça e voluntária ao confinamento e isso ajudou à tomada de decisão política», disse. «No verão, os governos de todos os países europeus lidaram com a pressão económica e incentivaram – a custo – as populações a sair de casa. A mensagem foi que tudo tinha passado. E esse erro de comunicação esteve presente na maioria dos países europeus», inclusive Portugal.

Para além disso, Tiago Correia refere que «a par da segunda vaga mal controlada e de regras permissivas para o natal, a comunicação institucional sobre o que fazer durante as festividades teve erros óbvios», adianta criticando «a inconsistência da mensagem», aquando do anúncio das festividades com a família.

«O expoente máximo dos erros de comunicação acontece quando o próprio Presidente da República anuncia o modo como ia reunir a família e amigos durante as festividades, o que ia em sentido contrário às orientações técnicas de redução do risco de contágio», defende.

Assim, segundo o especialista, «estas decisões políticas de algum modo transpuseram-se para o comportamento relaxado das pessoas: tanto optaram por juntar agregados familiares no natal como desconsideraram as primeiras regras do confinamento decretado a 15 de janeiro».

Desta forma, Tiago Correia defende que «mesmo quando a forte incidência de novos contágios baixar, é de esperar que a realidade difícil persista durante meses (ou anos). Refiro-me aos efeitos na saúde das populações decorrentes dos atrasos nos novos diagnósticos e na paragem de tratamentos em curso».

Já Óscar Felgueiras é mais sucinto nesta matéria. «Tivemos um género de tempestade perfeita. Em dezembro houve uma falsa sensação de segurança derivada de se ter dominado a vaga de novembro. O problema é que a incidência ainda era elevada e havia uma média diária de casos de cerca de três mil infeções».

«O efeito conjugado do Natal e Ano Novo, associado a uma menor deteção de casos, catapultou a incidência para um crescimento exponencial. A agravar a situação, tivemos em janeiro o início da presença significativa da nova variante que nos conduziu à situação atual», que diz ser «o pior cenário» em que Portugal se poderia encontrar.