Da pandemia às tensões raciais, os desafios que Biden enfrenta como 46º Presidente dos EUA
O democrata Joe Biden chega à Casa Branca quando mais de 3000 norte-americanos morrem diariamente com covid-19, em plena crise económica e com dezenas de milhões de pessoas a duvidar da sua legitimidade.
“O que é único para Biden não é o país estar em crise, mas o número de crises simultâneas que terá de enfrentar”, disse Mary Stuckey, cientista política da Pennsylvania State University, para caracterizar o início de mandato do 46.º Presidente dos EUA, que arranca na quarta-feira.
No meio de uma pandemia, uma recessão económica, divisões raciais e uma crise política, este é o retrato dos principais desafios de Joe Biden, o 46.º Presidente dos Estados Unidos.
A pandemia
A crise sanitária nos EUA nunca foi tão grave desde a gripe espanhola de 1918, dizem os especialistas.
Os Estados Unidos são o país mais afetado do mundo pela covid-19, com 24 milhões de casos e quase 400.000 mortes, e o surgimento de novas variantes do vírus aumenta os receios.
Uma enorme campanha de vacinação começou em meados de dezembro, mas está a avançar muito mais lentamente do que o esperado: apenas 10 milhões de pessoas receberam a primeira dose, muito abaixo dos 20 milhões planeados para o final de dezembro de 2020, pelo Governo cessante.
Joe Biden prometeu que o novo Governo aplicará 100 milhões de doses nos primeiros 100 dias do seu mandato.
Recessão e desemprego
As medidas de contenção adotadas para conter a propagação do novo coronavírus provocaram uma queda brutal na economia que, segundo o banco central dos Estados Unidos (Fed), contraiu 2,4% em 2020.
Muitas empresas tiveram de fechar portas e despedir pessoal, funcionários pediram demissão para cuidar dos filhos, que ficaram privados da escola, e cerca de 18 milhões de norte-americanos vivem hoje com cheques de auxílio.
“O sofrimento humano está a espalhar-se em plena luz do dia e não temos tempo a perder”, comentou Joe Biden, quando revelou um plano de emergência de quase dois biliões de euros, que pretende que o Congresso valide rapidamente.
Enquanto vice-Presidente de Barack Obama, Biden já tinha supervisionado um gigantesco pacote de estímulo, após a crise financeira de 2008.
Desta vez, o desafio é bem diferente, já que “Biden precisa gerir a crise económica, ao mesmo tempo que tenta imunizar 300 milhões de pessoas e ao mesmo tempo que lidera uma nação seriamente dividida”, observa Shirley Anne Warshaw, professora de ciências políticas no Gettysburg College.
A deriva dos ‘trumpistas’
Depois de quatro anos de uma presidência que rapidamente colocou os norte-americanos uns contra os outros, a cruzada pós-eleitoral de Donald Trump alargou ainda mais a divisão política nos EUA.
Sob o pretexto de “fraude eleitoral”, o republicano recusou-se a admitir a derrota e, se não conseguiu convencer os tribunais, semeou dúvidas nas mentes de milhões de seus apoiantes, muitos dos quais estiveram presentes no ataque ao Capitólio, em 06 de janeiro.
“Os Estados Unidos não conhecem uma tão grave crise de legitimidade política desde a posse de Abraham Lincoln”, em 1861, que deu início à Guerra Civil, comentou David Farber, professor de História na Universidade do Kansas.
Acusado de ter incentivado a violência, Donald Trump vai ser julgado pelo Senado, o que poderá atrasar os trabalhos do Congresso sobre o programa de Biden, lembrou Farber.
E, se alguns republicanos finalmente se distanciaram do Presidente cessante, “Trump continuará a ser uma força barulhenta”, acrescentou o historiador.
O novo Presidente democrata, que prometeu “reconciliar a América”, também corre o risco de se deparar com a existência de “dois ecossistemas de ‘media’ diferentes, que oferecem às pessoas duas visões diferentes do mundo”, explica a cientista política Mary Stuckey.
Tensões raciais
As manifestações do passado verão, após o assassínio de George Floyd por um polícia branco, terminaram, mas o Presidente democrata foi eleito com apoio esmagador da população negra e agora deve saber responder às suas expectativas.
“As desigualdades raciais estão por toda a parte: na economia, no acesso à habitação, no direito ao voto, na violência policial”, explicou a analista Shirley Anne Warshaw, que prevê “uma forte mobilização do novo Governo nesta frente”.
Joe Biden está a formar uma equipa diversificada, em termos de perfil dos seus mais próximos colaboradores.
“Ele tem de mostrar aos seus apoiantes que os Estados Unidos tentarão virar a página da justiça racial”, disse David Farber.
Governo ‘multi task’
“Perante todas estas prioridades, temos de ser ‘multi task’”, disse sexta-feira a futura vice-Presidente, Kamala Harris.
O Presidente eleito dos Estados Unidos acredita que a sua vontade de ultrapassar as linhas de demarcação política é a única solução.
“A unidade não é uma quimera. É um passo prático para fazer o que temos de fazer juntos, para o país”, disse numa recente entrevista televisiva.
Para Mary Stuckey, o novo Governo norte-americano está “no fio da navalha: avançará entre grandes oportunidades e muitos perigos”.
No entanto, a analista alerta para a tentação de considerar Joe Biden uma figura providencial.
“Este país está obcecado com os seus presidentes. Eles são vistos como salvadores, mas não devemos esquecer que eles não controlam tudo. Longe disso”, concluiu Stuckey.