Opinião: Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas (PEVE)

por João Tiago Morais Antunes, sócio da PLMJ da área de Resolução de Litígios

A criação do Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas (PEVE) corresponde a uma das medidas previstas no Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), um plano do Governo Português para responder às dificuldades económicas e sociais provocadas pela Covid-19. Está incluído na “legislação de emergência” que tem sido criada com o objetivo de apoiar as empresas, em especial aquelas que, não fosse esta crise pandémica e a fragilidade que gerou ao nível da sua falta de liquidez, seriam viáveis (good business, bad balance sheet).

O PEVE é um processo pré-insolvencial que se destina precisamente a permitir que este tipo de   empresas se consiga reestruturar, de forma mais célere, para fazer face a tais efeitos económico-financeiros: trata-se, em suma, de um processo especial e ajustado à “situação de emergência” em que muitas empresas se encontram atualmente.

O PEVE socorreu-se de uma presunção já adotada noutras jurisdições europeias, que faz todo o sentido face ao contexto excepcional que vivemos: a de que as empresas que tinham um ativo superior ao passivo a 31.12.2019, são empresas cuja situação económica difícil ou de insolvência (iminente ou atual) é uma consequência direta da crise pandémica, o que significa que se tata de uma empresa estrutruralmente viável.

O PEVE tem algumas caraterísticas que o tornam mais atrativo que os outros mecanismos de reestruturação disponíveis – (i) urgência na tramitação face aos demais processos; (ii) redução do iter processual (eliminando-se a fase da reclamação de créditos); e (iii) uma regulação especial dos créditos tributários e da segurança social (que poderá levar ao perdão da totalidade dos juros de mora vencidos, desde que verificadas determinadas condições).

Além disso, o PEVE prevê uma série de outras medidas que se encontram previstas noutros processos, como o (i) efeito standstill; (ii) a proibição da suspensão de serviços essenciais na pendência do processo; (iii) a concessão de privilégios creditórios àqueles que financiem a atividade da empresa; e (iv) a insusceptibilidade de resolução em benefício da massa de certos negócios jurídicos previstos no Acordo de Viabilização.

Pretende-se que este processo extraordinário seja simples e célere, tendo-lhe sido concedida a natureza de prioritário, inclusive sobre os outros processos urgentes (insolvência e PER).

É também de sublinhar, que o PEVE visa a homologação judicial de um acordo de reestruturação de dívida (“Acordo de Viabilização”) estabelecido extrajudicialmente entre a empresa e os seus credores. É um processo de natureza híbrida, podendo afirmar-se que se inclui nos instrumentos tipicamente denominados fast-track-court-approval-procedures. Dispensa-se, assim, a fase de reclamação de créditos, e as negociações entre as empresas e os seus credores precedem o início do processo, decorrendo extrajudicialmente, o que simplifica todo o processo.

No PEVE também é nomeado um administrador judicial provisório (AJP), com uma intervenção mais residual – cabe-lhe o dever de informar determinadas entidades públicas do início do PEVE e de autorizar a prática pela empresa de atos de especial relevo –, mas com uma novidade de grande relevância (e que, por exemplo, não se verifica no PER): cabe ao AJP emitir parecer sobre se o Acordo de Viabilização (negociado e elaborado pela empresa e pelos seus credores) oferece perspetivas razoáveis de garantir a viabilidade da empresa, parecer esse que será objeto de apreciação pelo Juiz que irá decidir sobre a homologação do Acordo: ou seja, a indicação do AJP poderá ter um carater decisivo no desfecho do processo.

A este propósito realçamos e aplaudimos as medidas positivas que consagra e que já há muito vinham sendo recomendadas, por promoverem quer o financiamento, quer o autofinanciamento da empresa, em especial com recurso a empréstimos dos sócios, com vista à sua efetiva viabilização – o que, atentas as circunstâncias atuais, se impunha mais do que nunca. Assim, no PEVE, além de ser salvaguardada a manutenção das garantias convencionadas entre a empresa e os seus credores (desde que previstas no Acordo de Viabilização e que tenham como finalidade proporcionar os necessários meios financeiros para o desenvolvimento da sua atividade), é estendido aos sócios (ou outras pessoas especialmente relacionadas) que financiem a atividade da empresa (inclusive através de suprimentos) o privilégio creditório mobiliário geral (graduado antes do privilégio creditório mobiliário geral concedido aos trabalhadores), que já se encontrava previsto para o financiamento concedido pelos credores não especialmente relacionados. Prevê-se, ainda, a insusceptibilidade de resolução em benefício da massa insolvente dos negócios jurídicos previstos no acordo de viabilização que hajam compreendido a efetiva disponibilização à empresa de novos créditos pecuniários (aqui se incluindo, expressamente, o diferimento de pagamento e a constituição de garantias).

Uma última nota para o facto de esta Lei contemplar não só a criação do PEVE, como também uma série de outras medidas: umas que visam adaptar os instrumentos judiciais de recuperação já existentes (PER, RERE e plano de insolvência) à pandemia da doença COVID-19 (designadamente com a prorrogação de prazos de negociação); e outras que se reconduzem à distribuição aos credores, no mais curto prazo possível, de avultadas quantias depositadas nos processos de insolvência (através de rateios parciais), também com o objetivo de responder de forma imediata ao problema de liquidez que se tem verificado.