Tecnologia que ajuda a respirar
Muitas vezes a responsabilidade social das empresas pode representar um avanço em setores tão cruciais como o da saúde. É o caso do sistema de monitorização SmartReab em funcionamento no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHLN), implementado com o apoio da Fundação Vodafone Portugal.
Em Portugal, as doenças respiratórias são a principal causa de morte hospitalar. São várias as doenças que podem causar perturbações no aparelho respiratório e, nos casos mais graves, a resposta está na reabilitação. Em entrevista à Executive Digest, Fátima Rodrigues, coordenadora da Unidade de Reabilitação Respiratória do CHLN, relata: «Temos doentes respiratórios muito graves, em boa parte com doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), maioritariamente causada pela fumo do tabaco, com um impacto muito negativo nas suas vidas e nas das suas famílias». Apesar dos sintomas, «normalmente as pessoas só chegam à fase de reabilitação numa fase muito avançada da doença, porque passam antes pela medicina geral e familiar».
A resposta à insuficiência respiratória é, nos casos em que é adequado, a oxigenoterapia. Fátima Rodrigues explica que «muitos destes doentes evoluem para uma situação de insuficiência respiratória em que o nível de oxigenação do sangue não é feito de forma eficaz porque o pulmão não está a funcionar adequadamente. O ser humano precisa de oxigénio para tudo, por isso, nesta fase, a oxigenoterapia é a resposta. O oxigénio líquido revelou-se uma grande inovação porque antes este tratamento só podia ser feita em doentes hospitalizados. Nos últimos anos o oxigénio saiu do hospital e as pessoas podem andar a fazer a sua vida, a passear, até a trabalhar, com o oxigénio ao ombro, com um dispositivo que cada vez é mais leve e funcional…»
No entanto, segundo Fátima Rodrigues, esta portabilidade do oxigénio líquido levantou outras questões: «será que os doentes estão bem adaptados ou durante o dia têm grandes défices de oxigénio? Hoje é possível ter essa informação através do sistema de monitorização SmartReab, que temos implementado desde 2009».
Este sistema de monitorização surgiu de uma parceria do CHLN com a Fundação Vodafone Portugal para permitir aos médicos o acesso a um conjunto de informações sobre o doente no seu dia a dia, algo que é impossível obter em ambiente hospitalar. Fátima Rodrigues refere que com esta monitorização é possível «saber se é preciso ajustar os níveis de oxigénio, ou mesmo quando um tratamento de oxigenoterapia pode ser retirado em segurança».
Em 2009 este sistema de monitorização incluía três dispositivos que acompanhavam o doente no seu dia a dia: um oxímetro digital, um acelerómetro e um telemóvel. Hoje o sistema evoluiu e o telemóvel foi substituído por um smartphone que já inclui acelerómetro, pelo que o kit passou a incluir apenas dois dispositivos.
O oxímetro consiste numa pequena mola que o doente pode trazer fixa num dedo ou uma espécie de auricular para ter na orelha, e tem como função medir a oxigenação do sangue. Já o acelerómetro regista toda a atividade do doente ao longo do dia. O smartphone, por seu lado, recebe por Bluetooth a informação registada pelos outros dispositivos e envia-a para o hospital, para monitorização em tempo real.
Fátima Rodrigues explica que «quando o doente faz esforços físicos, no seu dia a dia, o nível de oxigenação pode baixar demasiado. No hospital é possível fazer este estudo através de uma prova de marcha, mas por vezes, este tipo de prova, em ambiente hospitalar, não consegue recriar o contexto real do doente no seu dia a dia. Isso leva-nos a concluir, por vezes, que um doente supostamente está bem, mas depois anda cansado porque durante o dia dessatura o oxigénio. É por isso que esta monitorização é tão importante».
Quando o registo da oxigenação do sangue e da atividade de um doente é enviada pelo smartphone, chega a uma central onde o corpo clínico tem acesso através de uma password encriptada. «Este sistema permitiu-nos retirar oxigénio a quem não precisava; aumentar os débitos daqueles que o estavam a fazer de forma insuficiente; perceber, pelo nível de atividade física, que estes doentes são muito sedentários; e assim ter um manancial de informação que não se compara com uma visita pontual do doente ao hospital», afirma Fátima Rodrigues.
Um ponto que este sistema permitiu identificar, refere a pneumologista, é que «estes doentes são muito sedentários, e por isso a adaptação à reabilitação respiratória. Este tipo de reabilitação consegue retirar os doentes da incapacidade que têm para as atividades do dia a dia, treiná-los e colocá-los noutro patamar; o que falta saber é se o doente, depois de chegar a esse patamar e deixar a reabilitação, passa a ser mais ativo. Temos estado a estudar, ao longo destes últimos anos, a atividade física do doente quando nos chega, como fica depois do programa de reabilitação e como se mantém ao longo do tempo».
Fátima Rodrigues acrescenta que «nos últimos anos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) veio dizer-nos que o sedentarismo causa cerca de 9% da mortalidade global. Já conhecíamos outros fatores de mortalidade como o tabagismo, a hipertensão e o colesterol, e agora temos também o sedentarismo. Ora, tendo isto em conta e sabendo que os nossos doentes são tendencialmente sedentários, trabalhar a informação que o sistema de monitorização nos dá otimiza a nossa intervenção na reabilitação».
Um outro fator que a profissional de saúde realça é a possibilidade de uma medicina personalizada. «Imagine-se um doente que está bem oxigenado ao longo do dia, mas com um período da tarde em que o nível de oxigenação desce muito. Quando o terapeuta revê toda a informação registada com o doente, tenta saber o que aconteceu durante aquele período – se houve um maior esforço, por exemplo. Conhecendo as situações em que existe uma maior queda da saturação de oxigénio, o terapeuta pode explicar ao doente o que fazer para evitar aquele défice. Conseguimos, assim, conhecer melhor os doentes e atuar de forma personalizada».
Além de fornecer informação em tempo real, o sistema de monitorização SmartReab permite ainda «que atuemos em tempo real se a saturação de oxigénio baixar muito, telefonando ao doente para dar indicações do que deve fazer ou orientando-o para as urgências».
Fátima Rodrigues considera que, «do ponto de vista do controlo clínico, este sistema é uma grande mais-valia. Numa fase inicial serviu para os doentes mais graves, mas agora estamos a abordá-los a todos, até aos menos graves, pessoas que ainda não precisam de oxigenoterapia, mas que têm todas as outras questões para resolver, nomeadamente tornarem-se mais ativas. Estes doentes, quando percebem que não conseguem respirar bem ao fazer esforços, passam a evitá-los e a tornam-se mais sedentários, piorando o quadro. Na reabilitação damos confiança ao doente, ensinamo-lo a distinguir o cansaço inocente daquele que é perigoso. Assim, o doente tem a oportunidade de conhecer-se melhor e fazer a sua vida normal sem receios».
Texto: Paulo Mendonça