‘Supergripe’ cresce na Europa: Especialista afasta cenário em Portugal como no Reino Unido, mas deixa conselhos a seguir ‘à risca’ no Natal e Ano Novo

A rápida disseminação da nova estirpe da gripe, a H3N2 K, já dominante em diversos países, está a provocar forte pressão sobre os sistemas de saúde europeus e, no Reino Unido, gerou um alerta do NHS para o “pior cenário possível”, com um aumento superior a 50% nas hospitalizações e milhares de doentes internados todos os dias.

Pedro Gonçalves
Dezembro 11, 2025
12:13

A rápida disseminação da nova estirpe da gripe, a H3N2 K, já dominante em diversos países, está a provocar forte pressão sobre os sistemas de saúde europeus e, no Reino Unido, gerou um alerta do NHS para o “pior cenário possível”, com um aumento superior a 50% nas hospitalizações e milhares de doentes internados todos os dias. Mas, apesar da gravidade britânica, o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP), Bernardo Gomes, pede que Portugal mantenha prudência sem cair em alarmismos.

Em entrevista exclusiva à Executive Digest, o especialista considera essencial interpretar a evolução epidemiológica “com serenidade” e sublinha que o país vive um momento sensível, marcado pelo crescimento acentuado da atividade gripal a nível nacional, com o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) a confirmar que Portugal entrou em fase epidémica nas últimas duas a três semanas. Ainda assim, Bernardo Gomes reforça que existe margem de atuação: “Vacinar, cuidar, ventilar” — um triplo conselho que, defende, pode fazer a diferença nas próximas semanas festivas do Natal e Ano Novo, períodos que descreve como “momentos típicos de troca de cromos infeciosos”.

Situação britânica contrasta com cenário português, que regista forte crescimento mas mantém resposta ativa
A situação no Reino Unido, onde as hospitalizações por gripe estão em máximos históricos e as autoridades de saúde admitem que o pico “ainda não está à vista”, contrasta com a realidade portuguesa, que entrou numa fase epidémica mais precoce do que o habitual, mas ainda sem sinais de saturação extrema. Segundo dados divulgados esta semana pelo INSA, a semana de 24 a 30 de novembro registou 10,5 casos de infeção respiratória aguda grave por 100 mil habitantes, com maiores aumentos entre as crianças até aos quatro anos e entre os maiores de 65.

No mesmo período, foram admitidos 82 casos graves nas Unidades Locais de Saúde e 10 doentes em cuidados intensivos — todos com doença crónica subjacente. Embora o subtipo H1N1 continue a ser ligeiramente predominante, o novo subgrupo H3N2 K já representa cerca de 45% dos vírus caracterizados, indicando potencial para crescer nas próximas semanas.

Para Bernardo Gomes, que desvaloriza previsões absolutas, o fundamental é agir sem dramatizar: “Fazer previsões de épocas de gripe é um exercício de futurologia arriscado. Varia de país para país, com as estirpes circulantes, com as atitudes populacionais e com a própria parte climatérica.” E acrescenta: “Se tivermos um inverno mais quente, a capacidade do vírus se disseminar é menor. Não alinharia, a priori, num cenário de previsão absoluta de que teremos um inverno mais difícil por causa disto.” O especialista recorda ainda que o problema não está apenas no vírus, mas no sistema de saúde: “A nossa capacidade de pico pode estar uns degraus abaixo do que precisamos, sobretudo nas urgências e internamentos da região de Lisboa e Vale do Tejo.” Por isso, defende que o aviso feito pela Ministra da Saúde, de que “o inverno vai ser muito duro”, deve ser lido não como alarmismo, mas como preparação: “Foi feito um aviso numa lógica de antecipação de risco. Eu prefiro dizer: ‘mobilizem-se’.”

Uma estirpe nova sem memória imunitária e uma população “esquecida” do subtipo H3N2
A principal preocupação associada à variante H3N2 K, explica Bernardo Gomes, é a ausência de memória imunitária. “A maior preocupação aqui é a circulação de uma estirpe de novo, para a qual não há memória imunitária, porque ela é nova.” Embora pertença ao subtipo H3N2, historicamente mais agressivo, o problema reside na sua novidade: “A vacina que foi construída para esta época não previa esta situação, porque apareceu de novo. A nossa memória imunitária para este vírus específico não existe.” A situação é agravada pela reduzida circulação de H3N2 nas últimas épocas gripais, o que, segundo o especialista, significa que “estamos esquecidos deste subtipo”.

Ainda assim, insiste que o alarme não é solução: “Há motivo para cautelas e motivo para utilizar as ferramentas que temos disponíveis para dar resposta a isto.” Entre essas ferramentas, destaca três pilares fundamentais: “Vacinar, cuidar, ventilar.” Sobre a vacinação, é direto: “Temos aqui um período temporal interessante para vacinar quem não foi vacinado. Se as pessoas se mobilizarem, ainda vão muito a tempo.” Já o “cuidar” implica comportamentos individuais: “Inclui evitar estar com pessoas doentes, evitar contagiar outros quando estamos doentes, recorrer à máscara e usar a evicção. Pequenas atitudes durante um curto período podem fazer toda a diferença.” Quanto à ventilação, recorda que passar mais tempo no exterior reduz significativamente a probabilidade de contágio: “Passar o máximo de tempo cá fora reduz a probabilidade de sermos contagiados. É um facto adquirido.”

Proteção das “bolhas familiares” e semanas festivas como aceleradoras de contágio
Um dos pontos que Bernardo Gomes mais enfatiza é a importância de vacinar crianças e avós. “A Direção-Geral da Saúde tomou uma atitude corajosa ao reconhecer a necessidade de vacinar as crianças mais pequenas”, sublinha, explicando o papel central dos mais novos na transmissão comunitária: “As crianças infetam-se entre elas, mas também infetam outros vulneráveis, com destaque para os avós. Está extensamente descrito na literatura.” Por isso, defende a criação de “bolhas familiares de proteção”: “Se todos forem vacinados no núcleo familiar — crianças, pais e avós — temos ali uma bolha de defesa. Eventualmente alguém ainda fica doente, mas a probabilidade de complicações é muito menor. É um exercício matemático.”

O especialista recorda ainda que a vacinação protege contra complicações não respiratórias: “Está comprovado que a vacinação protege contra eventos cardiovasculares nas semanas após a infeção gripal. Há um mundo de razões para dinamizarmos estas respostas.” Com a proximidade do Natal e do Ano Novo, alerta para um risco acrescido: “São alturas de cruzamento e convívio atípico. Trocamos cromos infeciosos — as pessoas trocam os micro-organismos que têm disponíveis.”

E reforça: “A vacinação diminui muito o risco, e é isso que podemos e devemos fazer.” Apesar da expansão global da H3N2 K — já dominante no Canadá, em forte crescimento nos EUA e responsável por quase metade dos casos H3N2 na União Europeia — Bernardo Gomes rejeita qualquer dramatização: “O alarme não serve de muito. Prefiro o alerta e a prudência. Temos uma variação nova, sem memória imunitária, mas temos ferramentas para lidar com ela. Usemos aquilo que temos e corrijamos o que possamos corrigir.”

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