A proposta laboral que motivou a greve geral desta quinta-feira alarga as situações em que as empresas podem recorrer à contratação a termo, permitindo admitir trabalhadores que nunca tiveram vínculo permanente mesmo quando não estão em causa necessidades temporárias. A mudança, revelada esta quarta-feira pelo jornal ‘Público’, está a dividir especialistas em direito do trabalho: há juristas que consideram que a norma colide com a Constituição e poderá perpetuar precariedade, enquanto outros defendem que a solução é tecnicamente mais consistente do que o regime anterior a 2019.
Atualmente, a lei admite contratos a termo para substituir trabalhadores ausentes, responder a sazonalidade ou acréscimos excecionais de atividade, bem como para tarefas ocasionais ou projetos. Além disso, o Código do Trabalho prevê cenários de contratação a prazo sem relação direta com necessidades temporárias, como o lançamento de novas atividades ou o início de operação de empresas com até 250 trabalhadores, e ainda a admissão de desempregados há 24 meses ou mais.
A proposta do Governo aprofunda este segundo grupo de situações, passando a permitir contratos a termo para quem nunca teve vínculo por tempo indeterminado, para trabalhadores reformados ou para desempregados de longa duração. A possibilidade passa também a abranger empresas de qualquer dimensão que iniciem nova atividade.
“Isto é fomentar a precariedade laboral”
Para João Leal Amado, professor da Universidade de Coimbra, esta é a alteração mais crítica. “Nunca houve uma norma a dizer que o facto de uma pessoa nunca ter tido um contrato sem termo permite que continue a ser contratada a prazo, tenha ela 20 ou 50 anos”, afirmou ao jornal diário, sublinhando que tal solução é, a seu ver, inconstitucional.
O académico recorda que, antes de 2019, a lei previa contratos a termo para quem procurava o primeiro emprego, mas critica que o legislador tenha agora transformado em letra da lei uma interpretação judicial “aberrante”. Na prática, diz, a proposta estabelece “de forma clara” que quem nunca teve contrato definitivo “pode continuar toda a vida a ser contratado a prazo”, o que considera estar “na contramão” da Constituição.
Também Luís Couto, advogado da SPCB Legal, antecipa que a consequência “óbvia” é o aumento do trabalho precário. A possibilidade de fundamentar o contrato no facto de o trabalhador nunca ter tido vínculo permanente, afirma, “agrava o risco da perpetuação da precariedade laboral”.
Uma solução “mais restrita” e “tecnicamente mais sólida”
Em sentido oposto, Pedro da Quitéria Faria, advogado da Antas da Cunha Ecija, considera que a nova norma é preferível ao regime pré-2019. “É mais restrita e dirigida a grupos específicos, associada a políticas ativas de emprego, e operacionalizável com menor risco jurídico”, defende, sublinhando que não se trata de um regresso ao passado, mas de uma evolução mais robusta.
O especialista considera que a reforma introduz maior previsibilidade para empresas e trabalhadores, por via de prazos mais longos para contratos a termo. Defende ainda que a eliminação do período experimental de 180 dias para jovens corrige uma situação de fragilidade, garantindo contratos mínimos de um ano e pagamento de compensação por caducidade.
“Normalização da contratação a termo”
Leal Amado rejeita esta leitura e afirma que todas as mudanças apontam para uma “normalização” do recurso a contratos a prazo. Para o professor, o alargamento dos fundamentos, a extensão dos prazos e a flexibilização das renovações ampliam de forma significativa o espaço para vínculos temporários.
Em entrevista recente à CNN Portugal, a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, declarou que “muitos jovens nem querem estabilidade”, defendendo que o conceito de emprego para a vida “está ultrapassado no século XXI”, posicionando-se a favor de um modelo laboral mais flexível.














