O mercado petrolífero global está a caminhar para uma situação paradoxal: há cada vez mais petróleo disponível, os preços do crude continuam a cair, mas os consumidores dificilmente sentirão esse alívio nas bombas de combustível. O crude acumula-se em navios petroleiros e em grandes centros de armazenamento em terra, como na China, enquanto a capacidade mundial de refinação, sobretudo de gasóleo, se revela insuficiente para transformar esse excesso em combustíveis utilizáveis.
A Agência Internacional da Energia (AIE), grandes traders como a Trafigura e outros intervenientes do sector falam já abertamente numa situação de “sobreoferta” ou mesmo de “supersobreoferta”. As previsões apontam para que, nos dois primeiros trimestres de 2026, a oferta global de petróleo exceda a procura em cerca de quatro milhões de barris por dia, originando uma acumulação massiva de crude. Este desequilíbrio poderá provocar novas quedas no preço do barril, que já recuou cerca de 20% desde o verão e negoceia em torno dos 61 dólares no Brent, mas esse movimento não deverá ser replicado nos preços da gasolina, do gasóleo ou do combustível para aviação.
A explicação está num gargalo estrutural ao nível da refinação. O sector cresceu pouco nos últimos anos e não dispõe de capacidade suficiente para processar volumes tão elevados de petróleo. Como resultado, uma parte crescente do valor gerado pela queda do crude fica retida nas refinarias, cujos margens regressaram a níveis não observados desde o início da invasão russa da Ucrânia. O petróleo desce, mas os combustíveis mantêm-se praticamente inalterados.
No seu mais recente relatório mensal, a AIE alerta que as novas sanções previstas para o primeiro trimestre de 2026 irão agravar este cenário. O organismo sublinha o contraste entre o aumento expressivo da oferta de crude e uma escassez inesperada de produtos refinados, situação que é exacerbada pela decisão de refinarias independentes chinesas suspenderem compras devido ao esgotamento das quotas de importação. Esta conjugação de fatores poderá tornar ainda mais severa a falta de combustíveis no mercado.
As interrupções nas refinarias e as restrições da União Europeia às importações de produtos derivados do crude russo estão a empurrar os chamados “cracks” — as margens entre o preço do crude e o dos combustíveis refinados — para máximos de três anos. Apesar de os mercados de petróleo e de líquidos de gás natural continuarem bem abastecidos, a AIE avisa que a escassez de capacidade de refinação fora da China poderá manter esta dissociação entre mercados durante um período prolongado.
O mercado global de produtos refinados aproxima-se, segundo a AIE, de uma fase de tensão extrema. Após uma vaga de paragens imprevistas em novembro, o sector enfrenta agora o impacto direto da proibição europeia, a partir de meados de janeiro, de combustíveis processados com crude russo. A situação será particularmente crítica na Europa, onde os maiores efeitos se farão sentir nas importações de gasóleo e querosene precisamente quando arranca o pico de consumo do inverno.
Este estrangulamento ocorre num momento em que a procura por destilados médios volta a liderar o crescimento global, obrigando a rever em alta as previsões de atividade das refinarias para 2026. A AIE destaca uma desconexão crescente entre uma oferta de crude em expansão e mercados de produtos refinados cada vez mais apertados, sinal de que a capacidade global está a operar perto do limite.
O endurecimento das sanções às exportações russas está a apertar ainda mais os mercados de combustíveis, dificultando o acesso a gasóleo e jet fuel num contexto de forte procura sazonal. A Europa surge como o epicentro deste stress, uma vez que a substituição dos fluxos russos obriga a recorrer a carregamentos provenientes do Médio Oriente e da Ásia, exigindo diferenciais de arbitragem mais elevados para atrair esses volumes.
As refinarias fora da OCDE também não conseguem absorver totalmente o choque. Grandes unidades como Dangote, na Nigéria, Al Zour, no Kuwait, ou RAPID, na Malásia, registam paragens prolongadas, levando a AIE a rever em baixa as previsões de atividade. Estas interrupções empurraram os margens do gasóleo no Médio Oriente para mais de 30 dólares por barril, refletindo uma escassez crescente.
Enquanto isso, os mercados de crude continuam sob pressão. O Brent aproxima-se perigosamente da barreira dos 60 dólares, num contexto em que ataques com drones a infraestruturas russas interrompem operações e agravam a escassez de produtos refinados a nível global. Embora a Europa não compre combustíveis russos, estas disrupções afetam todo o mercado, forçando os restantes compradores a competir pelos mesmos volumes.
Analistas alertam que esta divergência entre crude barato e combustíveis caros dificilmente será resolvida a curto prazo. John Evans, da PVM Oil Associates, sublinha que se trata de um problema estrutural de refinação, que só seria resolvido com a construção de novas unidades nas economias ocidentais, um cenário considerado altamente improvável.
Na Europa, os margens do gasóleo aproximam-se dos 34 dólares por barril, enquanto nos Estados Unidos atingiram valores superiores a 49 dólares, máximos desde 2023. Apesar de os elevados margens incentivarem as refinarias a aumentar a produção, a realidade é que a capacidade física é limitada e não responde rapidamente aos estímulos de preço.
As grandes petrolíferas beneficiam deste contexto. Segundo dados citados por analistas, o segmento downstream da francesa TotalEnergies registou um aumento de 76% nos lucros, e novas sanções aos produtores russos deverão reforçar ainda mais os margens no final do ano.
A AIE conclui que 2026 será um ano particularmente delicado para os mercados energéticos. Embora a produção global de produtos refinados esteja a ser revista em alta, a disponibilidade continuará vulnerável durante meses, com infraestruturas europeias sob pressão crescente. Num sistema fragilizado por sanções, limitações estruturais e paragens prolongadas, qualquer novo choque — geopolítico, logístico ou climático — poderá traduzir-se rapidamente em tensões de preços e episódios de desabastecimento localizados. Para os consumidores, a mensagem é clara: apesar do petróleo barato, a descida nos preços dos combustíveis ficará muito aquém do esperado.














