A agenda em Washington não dá tréguas: a capital americana mal concluiu a paralisação governamental mais longa da sua história e já está mergulhada em um novo turbilhão político devido à divulgação de novos e-mails de Jeffrey Epstein, o empresário que construiu uma rede internacional de abuso sexual e tráfico de crianças.
Esta quarta-feira passada, os democratas tornaram públicos três e-mails nos quais o milionário afirmava que Donald Trump havia “passado horas” em sua casa com uma das vítimas da sua rede de abuso, indicou a publicação espanhola ‘El Confidencial’. Em resposta, os republicanos divulgaram os 20 mil arquivos privados de Epstein de uma só vez para demonstrar, segundo eles, que não havia mais nada a ser descoberto e que os democratas estavam a manipular o conteúdo ao apresentar apenas esses três arquivos.
Se a manobra republicana visava apagar o incêndio, não obteve muito sucesso. A avalanche de documentos voltou a concentrar a atenção do público americano no que se tornou um dos escândalos mais prejudiciais para Trump, especialmente porque é um caso que a sua própria base de apoio exige que seja totalmente exposto há anos.
O que os arquivos recém-divulgados revelam e o que vem a seguir?
“Eu poderia afundá-lo” (2010)
O primeiro e-mail relevante na cronologia data de cerca de 2010 e foi enviado a um destinatário não identificado. Nessa época, Epstein e Trump já se haviam distanciado após um momento nunca totalmente esclarecido – o empresário escreveu que, depois de se separar dele, “poderia derrubá-lo”, sem mais detalhes nem explicar que tipo de informação precisaria para isso. O tom, no entanto, revela certo ressentimento e a convicção de que possuía material ou conhecimento capaz de prejudicar o magnata caso o relacionamento se deteriorasse ainda mais.
“O cão que não latiu” (2011)
Na mensagem mais divulgada, enviada em 2011 por Epstein para Ghislaine Maxwell (a sua associada, parceira e cúmplice, condenada por tráfico sexual), observou que “o cão que não latiu é Trump” e afirma que uma das vítimas havia “passado horas” com ele em sua casa. O e-mail coincidiu com um momento delicado para o empresário, visto que havia acabado de cumprir a sua pena na Flórida, e estava a tentar reconstruir a sua vida social após ser registado como agressor sexual – era perseguido por tabloides em todas as suas aparições públicas.
O magnata do setor imobiliário, por sua vez, vivenciava um ressurgimento nos media graças ao programa de televisão “O Aprendiz” e comentava abertamente a ideia de se candidatar à presidência em 2012, o que o mantinha constantemente sob os holofotes.
O texto reflete um Epstein a observar quem lhe vira as costas e quem não, quem fala sobre ele e quem permanece em silêncio. Os republicanos argumentam que a jovem mencionada no e-mail é Virginia Giuffre, recrutada por Maxwell quando tinha 16 anos e uma das vítimas mais visíveis do caso.
Quando Epstein enviou a mensagem em abril de 2011, Giuffre acabara de contar a sua história pela primeira vez a um tabloide britânico, relatando o abuso que sofreu e fornecendo a fotografia em que aparece com o Príncipe André e Maxwell. Anos depois, em 2016, testemunhou num processo civil que não acreditava que Trump tivesse participado de atividades ilegais ou testemunhado abusos.
“Você deveria deixá-lo enforcar-se” (2015)
Uma troca de mensagens de 2015 revela uma relação inesperadamente próxima entre Epstein e o jornalista Michael Wolff, autor de “Fogo e Fúria” e uma das vozes mais influentes na cobertura do primeiro mandato de Trump. Wolff avisa o empresário que “a CNN planeia perguntar a Trump esta noite sobre o seu relacionamento” e aconselha-o a ficar de fora. “Acho que você deveria deixá-lo enforcar-se sozinho”, escreve Wolff. Se Trump negasse estar “no avião ou na casa”, acrescenta, isso daria a Epstein “capital político e mediático valioso” que poderia usar contra ele ou, caso o magnata vencesse, acumular como dívida.
“Claro que eu sabia sobre as meninas” (2019)
Em janeiro de 2019, meses antes da prisão definitiva de Epstein, que culminaria no seu suicídio numa prisão de Nova Iorque, o empresário escreveu a Wolff uma mensagem muito mais direta: ele afirmou sobre Trump que “é claro que sabia sobre as meninas” e sugeriu que o então presidente havia pedido a Maxwell para “parar”.
O e-mail chegou num momento em que Epstein estava cada vez mais isolado, o gabinete do Procurador-Geral de Nova Iorque estava a reabrir o caso e várias vítimas estavam a testemunhar novamente. Dessa perspetiva, Epstein interpretou o distanciamento do seu antigo círculo — incluindo Trump — como um sinal de hipocrisia.
O que está por vir?
Esta quarta-feira, Adelita Grijalva, recém-empossada como representante democrata pelo Arizona, tornou-se a 218ª signatária da petição bipartidária que procura forçar uma votação sobre a divulgação completa dos arquivos de Epstein. O que exatamente ainda precisa de ser revelado?
Os documentos que o Departamento de Justiça se recusou a entregar em julho: comunicações internas do FBI, memorandos sobre a reabertura do caso em 2019, avaliações de potenciais “terceiros não acusados” e materiais que nunca foram incorporados ao processo judicial porque o empresário morreu antes de ser julgado.
Com 214 votos favoráveis de democratas e quatro de republicanos, a moção ultrapassou o limite necessário para torná-la irreversível, apesar das tentativas de última hora da Casa Branca de bloqueá-la.
Segundo o ‘Wall Street Journal’, Trump ligou pessoalmente para as republicanas Nancy Mace e Lauren Boebert para pressioná-las, e Boebert chegou a ir à Sala de Situação para se encontrar com o diretor do FBI, Kash Patel, a procuradora-geral Pam Bondi e outros altos funcionários. O presidente da Câmara dos Representantes, Mike Johnson, teve de admitir a derrota e anunciou que a votação ocorrerá na próxima semana.
O efeito dessa votação provavelmente será limitado. Mesmo que a Câmara aprove a obrigação do Departamento de Justiça de divulgar os arquivos, a medida ainda teria de passar pelo Senado e poderia sofrer um veto presidencial. Mas os democratas têm procurado forçar todos os republicanos a posicionarem-se publicamente sobre uma das questões mais delicadas para o Governo Trump e, ao fazer isso, manter vivo um tema que a Casa Branca preferiria enterrar o mais rápido possível.














