Zangam-se as ‘comadres’… Líder checheno expõe tensões com Putin e ameaça de morte dois deputados e um oligarca russos

Ramzan Kadyrov, o controverso líder da Chechénia, voltou a destacar-se no panorama político russo ao ameaçar três figuras de relevo no país: o senador e oligarca Suleiman Kerimov, e os deputados da Duma, Rizvan Kurbanov e Bekhan Barakhoyev. As ameaças surgiram no âmbito de uma disputa empresarial em torno da Wildberries, a maior plataforma de vendas online da Rússia, e estão a ser vistas como um reflexo da instabilidade crescente no regime de Vladimir Putin.

Kadyrov, conhecido pela sua abordagem belicosa, declarou uma “inimizade de sangue” contra estas figuras, uma expressão que muitos interpretam como uma ameaça de morte. Para além da gravidade destas palavras, o contexto é particularmente sensível, dado que Kurbanov e Kerimov são oriundos do Daguestão, e Barakhoyev da Inguchétia – regiões do Cáucaso Norte, tal como a Chechénia, onde as tensões étnicas estão historicamente à flor da pele.

Interesse em Kiev: a fragilidade interna russa

O interesse em torno desta disputa estende-se para além das fronteiras da Rússia. Em Kiev, a elite política e militar ucraniana está a acompanhar de perto o desenrolar dos acontecimentos, considerando que o Cáucaso Norte pode ser o calcanhar de Aquiles da estabilidade interna russa. Segundo fontes de contrainteligência ucraniana citadas pelo jornal El Español, “Prigozhin não tinha o poder suficiente para desafiar verdadeiramente o regime russo, mas a sua revolta debilitou Putin. Kadyrov certamente tomou nota disso”.

Estas observações referem-se à revolta falhada de Yevgeny Prigozhin, o líder do grupo mercenário Wagner, que desafiou o Kremlin há cerca de um ano e meio, e acabou morto num misterioso acidente de avião. O paralelismo entre Prigozhin e Kadyrov é explorado por muitos analistas, que acreditam que o líder checheno pode, eventualmente, trair Putin se vir sinais de fragilidade no presidente russo.

O precedente de Prigozhin: uma Rússia enfraquecida

O historiador britânico Mark Galeotti, um reconhecido especialista em política russa, ecoa esta tese. No seu livro recente, Downfall, coescrito com Anna Arutunyan, Galeotti afirma que a ascensão e queda de Prigozhin expôs as falhas internas do sistema de Putin. “O regime de Putin está a começar a rachar”, escreve o autor, acrescentando que o Kremlin já não parece ser capaz de gerir as rivalidades entre os seus altos quadros. O confronto entre Prigozhin e os altos responsáveis do Ministério da Defesa russo, Sergei Shoigu e Valeri Gerasimov, é um exemplo claro disto.

O episódio da revolta de Prigozhin evidenciou ainda a falta de resistência entre as elites russas ao avanço das forças do Grupo Wagner em direcção a Moscovo, apenas interrompido pela intervenção de Alexander Lukashenko, presidente da Bielorrússia, a 300 quilómetros da capital. Para muitos observadores, a atitude indiferente das elites russas durante este confronto revelou as fissuras crescentes no regime de Putin.

A disputa empresarial: o centro do conflito

A recente escalada de tensões com Kadyrov parece estar centrada num incidente ocorrido em setembro, num dos centros de negócios mais prestigiados de Moscovo, o Romanov Dvor, a poucos metros do Kremlin. Durante uma tentativa de invasão das instalações da Wildberries, dois guarda-costas perderam a vida num tiroteio. Vladislav Bakalchuk, ex-marido de Tatyana Kim, proprietária da Wildberries e a mulher mais rica da Rússia, tentou entrar à força nas instalações, acompanhado por vários homens chechenos.

Bakalchuk opôs-se à fusão da Wildberries com a Russ Group, uma empresa de publicidade exterior, um movimento apoiado pelo Kremlin, que visa consolidar uma gigante russa capaz de competir com empresas como a Amazon. Contudo, Kadyrov, que se posiciona como defensor de Bakalchuk, argumenta que esta fusão prejudica gravemente os seus interesses. Segundo o jornal independente Fortanga, o tom particularmente agressivo de Kadyrov nas suas declarações está relacionado com uma tentativa de assassinato ordenada por Kerimov, Kurbanov e Barakhoyev.

Conflito étnico à vista?

A ameaça de Kadyrov contra Kerimov e os seus aliados está a ser interpretada como um dos maiores conflitos internos na Rússia nos últimos anos. Anton Gerashchenko, conselheiro do Ministério do Interior da Ucrânia, referiu recentemente nas redes sociais que “existe uma discussão séria na Rússia sobre a possibilidade de este conflito se transformar num confronto étnico entre chechenos e daguestaneses”. As autoridades de Daguestão, segundo Gerashchenko, já emitiram declarações a criticar duramente Kadyrov, alertando para a instabilidade crescente no Cáucaso Norte.

No entanto, outros analistas adotam uma visão mais cautelosa, sugerindo que, apesar da escalada retórica, o Kremlin deverá intervir para evitar um conflito prolongado. Marta Ter Ferrer, uma especialista no Cáucaso Norte, nota que Kadyrov, apesar de ser provocador, nunca atravessou “linhas vermelhas” que pudessem comprometer o seu relacionamento com Putin. No entanto, reconhece que a ameaça contra Kerimov é particularmente audaciosa, dado o poder considerável deste oligarca no círculo próximo de Putin. “Kadyrov está a jogar forte”, concluiu a especialista.

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