A administração de Donald Trump continua a distanciar-se da Ucrânia, agravando as dificuldades de Kiev no conflito com a Rússia. Após anunciar a suspensão da ajuda militar, Washington decidiu agora cortar o fornecimento de informações de inteligência, elemento essencial para a defesa do país. Esta decisão compromete a capacidade da Ucrânia de detetar antecipadamente ataques aéreos, deixando-a sem acesso aos alertas que permitiam avisar os civis e reforçar a proteção das suas tropas. Além disso, fontes diplomáticas apontam que os EUA poderão também interromper o acesso ucraniano à rede de satélites Starlink, essencial para as comunicações militares no terreno.
A revogação da colaboração em inteligência representa um duro golpe para Kiev. Antes da invasão russa, os serviços de inteligência norte-americanos permitiram à Ucrânia antecipar o ataque de 24 de fevereiro de 2022, dando ao governo de Volodymyr Zelensky tempo para preparar uma resistência eficaz. Essa vantagem foi crucial para a defesa de Kiev e para a contraofensiva em Járkiv.
Agora, sem esse apoio, a Ucrânia ficará dependente exclusivamente dos seus próprios radares, que possuem capacidades de deteção muito inferiores. Até ao momento, Kiev recorria às informações obtidas por satélites e outros meios norte-americanos para identificar o lançamento de drones, mísseis e aviões de guerra russos, ativando os sistemas de alerta e permitindo que a população se abrigasse antes dos ataques.
Na quarta-feira, Vladimir Putin respondeu à mais recente oferta de tréguas por parte de Zelensky com um ataque massivo, lançando 183 drones e três mísseis balísticos contra diversas cidades ucranianas. Com as novas restrições impostas por Washington, a população poderá perder um dos principais mecanismos de proteção contra ataques aéreos, aumentando o número de vítimas civis.
Pressões para que Kiev aceite negociações
A decisão da administração Trump surge no contexto de um alegado plano de Washington para forçar Kiev a negociar um cessar-fogo nos termos já discutidos entre os EUA e a Rússia. O governo norte-americano indicou que as restrições poderão ser levantadas caso sejam definidas “a data, a hora e o local” para o início das conversações. No entanto, na Ucrânia cresce a perceção de que estas negociações representam, na prática, uma rendição disfarçada às exigências russas.
Andrii Yermak, chefe de gabinete de Zelensky, intensificou os contactos diplomáticos com aliados europeus para tentar garantir apoio alternativo. Recentemente, falou com assessores do presidente francês, Emmanuel Macron, e do primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, na tentativa de obter compromissos de assistência militar e de inteligência.
A ameaça da perda de Starlink
Outro ponto crítico é o possível corte do acesso ucraniano à rede de satélites Starlink, operada pela empresa SpaceX de Elon Musk. Starlink tem sido essencial para a coordenação militar ucraniana, permitindo comunicações seguras entre as linhas da frente e os centros de comando.
A possível suspensão do serviço por ordem de Washington criaria um cenário catastrófico para Kiev, ao cortar as comunicações militares e deixar as unidades ucranianas isoladas no campo de batalha. Caso isso aconteça, os EUA estarão também a entrar em confronto com a Polónia, que atualmente financia cerca de 20.000 terminais Starlink para uso ucraniano.
Diante desta ameaça, os aliados europeus estão a estudar alternativas para garantir que Kiev não perca as suas capacidades de comunicação. O grupo francês Eutelsat está a negociar com vários governos para expandir os serviços de telecomunicações da sua subsidiária britânica OneWeb. No entanto, esta rede tem capacidades inferiores às de Starlink, possuindo apenas 600 satélites em órbita, contra os mais de 7.000 da empresa de Musk.
A posição de Elon Musk sobre a guerra na Ucrânia tem sido ambígua. No início do conflito, a SpaceX forneceu gratuitamente antenas Starlink para reforçar a resistência ucraniana. Mais tarde, Musk exigiu que o governo dos EUA assumisse os custos do serviço, ameaça que acabou por concretizar-se.
Nos últimos meses, o empresário aproximou-se da Rússia, tendo afirmado repetidamente que a Ucrânia deveria ceder a Crimeia à Rússia. Musk também manteve contactos diretos com Vladimir Putin, o que levantou preocupações sobre a neutralidade da sua empresa no conflito. Em 2023, Musk chegou a suspender temporariamente o acesso ucraniano a Starlink para impedir um ataque à frota russa no mar Negro, uma decisão que beneficiou diretamente Moscovo.
Alternativas europeias e incerteza futura
Perante a ameaça de um corte total no serviço de Starlink, a Comissão Europeia está a analisar soluções alternativas. Entre elas está a possibilidade de permitir que a Ucrânia utilize o sistema GovSatCom, uma rede de comunicações encriptadas da União Europeia. No entanto, esta infraestrutura só estará operacional em 2026, deixando Kiev sem uma solução imediata.
Outra opção no horizonte é o Projeto Kuiper, uma iniciativa da Amazon para desenvolver uma rede de satélites de baixa altitude semelhante à de Musk. Este sistema tem despertado o interesse de Taiwan, que procura uma alternativa a Starlink devido à ligação de Musk ao mercado chinês. No entanto, o Projeto Kuiper ainda não está plenamente operacional e não pode fornecer suporte imediato à Ucrânia.
Com os cortes na ajuda militar, o fim da partilha de inteligência e a ameaça de suspensão das comunicações via Starlink, a Ucrânia enfrenta um momento crítico no conflito. Sem o apoio norte-americano, Kiev poderá ser forçada a travar uma guerra com menos recursos, correndo o risco de regressar às condições de combate do século XX.














