PM de Israel com os dias contados? Coligação de Netanyahu à beira do colapso com saída de partido ultraortodoxo

Rutura sobre lei do alistamento militar coloca governo em risco e abre caminho a eleições antecipadas.

Pedro Gonçalves
Julho 15, 2025
10:54

O governo israelita liderado por Benjamin Netanyahu enfrenta uma das suas maiores crises políticas desde o início da guerra em Gaza, com o partido ultraortodoxo Judaísmo Unido da Torá (UTJ) a anunciar esta terça-feira a sua saída da coligação governamental. A decisão, motivada pelo impasse em torno da lei do alistamento militar dos judeus ultraortodoxos, deixa a coligação com uma maioria mínima de apenas 61 deputados num parlamento de 120 lugares, o que pode forçar a convocação de eleições antecipadas caso haja novas deserções.

A saída do UTJ surge num momento em que a pressão pública e institucional sobre a desigualdade no serviço militar aumenta. Enquanto a generalidade dos cidadãos israelitas está sujeita ao alistamento obrigatório, os jovens ultraortodoxos — conhecidos como haredim — beneficiam há décadas de isenções que lhes permitem dedicar-se exclusivamente ao estudo da Torá. A guerra em Gaza, que se prolonga há quase dois anos, intensificou o debate sobre esta exceção.

“Ao violar repetidamente os compromissos assumidos para garantir o estatuto dos estudantes dos seminários religiosos, o governo quebrou a nossa confiança”, declarou a fação Degel HaTorah, componente do UTJ, que formalizou a saída dos seus sete deputados da coligação.

Segundo a procuradora-geral de Israel, Gali Baharav-Miara, “o governo não está a tomar medidas para aumentar a repressão contra os evasores do alistamento militar, o que viola gravemente a igualdade e os direitos dos militares”. Esta crítica vem reforçar a pressão exercida sobre Netanyahu por setores da sociedade e por autoridades judiciais.

Na semana passada, o exército israelita anunciou que pretende enviar ordens de alistamento para mais jovens haredim durante o mês de julho, num esforço para cumprir a meta de 54 mil intimações. Esta medida visa implementar a decisão do Supremo Tribunal israelita, que em 2023 determinou que os homens ultraortodoxos deveriam começar a ser recrutados.

A polémica em torno da nova legislação sobre o alistamento está agora nas mãos de Yuli Edelstein, presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e Defesa do Knesset e membro do Likud, o partido de Netanyahu. Caberá a Edelstein encontrar uma solução de compromisso que satisfaça tanto os partidos religiosos como os setores seculares da sociedade.

Durante a noite e a madrugada desta terça-feira, Netanyahu manteve intensas conversações com membros da coligação, incluindo com Edelstein, numa tentativa de conter a crise. O primeiro-ministro enfrenta agora duas opções: convencer os partidos ultraortodoxos a regressarem ao governo ou demitir Edelstein para agradar aos haredim e evitar o colapso da maioria.

Apesar da sua decisão de abandonar a coligação, a saída do UTJ só se tornará oficial dentro de 48 horas, o que dá a Netanyahu uma curta janela para tentar reverter a situação. Miki Zohar, ministro do gabinete do Likud, manifestou esperança numa solução: “Se Deus quiser, tudo correrá bem”, afirmou.

No entanto, analistas como Shuki Friedman, do Jewish People Policy Institute, consideram pouco provável que as exigências do UTJ sejam satisfeitas num tão curto espaço de tempo. “As divergências entre o projeto de lei atual e os pedidos do partido continuam demasiado grandes”, sublinhou.

O risco de rutura não termina com o UTJ. O Shas, outro partido ultraortodoxo com 11 deputados, pode seguir o mesmo caminho, o que destruiria a maioria parlamentar de Netanyahu. Além disso, os dois partidos da extrema-direita que integram a coligação — ambos contrários a qualquer cessar-fogo com o Hamas — têm ameaçado abandonar o governo se houver cedências nas negociações para pôr fim à guerra.

Esta instabilidade política coincide com negociações indiretas entre Israel e o Hamas, mediadas pelo Egito e pelo Qatar, sob forte pressão dos Estados Unidos para alcançar um cessar-fogo. Até agora, não houve avanços significativos nas conversações.

Segundo dados do Escritório Central de Estatísticas (CBS), os ultraortodoxos representam atualmente 13,5% dos cerca de 10 milhões de habitantes de Israel, com uma taxa de crescimento demográfico anual de 4% — a mais alta entre todos os grupos do país. Estima-se que, até ao final da década, esta população represente 16% do total. De acordo com o Instituto de Democracia de Israel (IDI), 44% dos haredim vivem em situação de pobreza, o dobro da taxa registada entre o resto da população (22%).

Embora a maioria dos haredim recuse o serviço militar por motivos religiosos, é importante notar que há membros desta comunidade que servem voluntariamente nas Forças de Defesa de Israel.

Com a coligação por um fio e a guerra sem fim à vista, Netanyahu vê-se encurralado entre exigências contraditórias dos seus aliados políticos e a crescente pressão da opinião pública. A eventual queda do governo poderá abrir caminho a eleições antecipadas, num momento particularmente delicado para o futuro de Israel.

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