“Olham, olham, e não compram nada”: turismo em Portugal muda e restauração enfrenta ano negro com quebras de receitas

Os restaurantes nas principais zonas turísticas do país enfrentam ano negro com a quebra de clientes, nacionais e estrangeiros: o fecho de portas é, para alguns, a única solução. É o caso do restaurante Boi-Cavalo, no bairro histórico lisboeta de Alfama, que já tem data para encerrar depois de uma década em funcionamento.

Segundo o ‘Diário de Notícias’, os turistas procuram alternativas mais em conta durante as suas visitas. “Os últimos oito meses foram, comparativamente com todos os anos anteriores, os piores. Houve uma quebra brutal na procura. Junho e julho foram trágicos para toda a gente. Pensei que pudesse ser só em Lisboa, mas tenho falado com pessoas de outros sítios e ninguém tem boas histórias para contar na restauração”, refere o chef Hugo Brito.

Para o responsável do espaço comercial, a perda de poder de compra é um dos fatores que justificam este cenário. “O aumento das taxas de juro por parte do Banco Central Europeu retirou rendimento aos portugueses e aos europeus em geral. As pessoas passaram a cortar nos extras e os restaurantes são a primeira coisa a ir à vida”, sublinha o empresário, que criticou o número de restaurantes em Lisboa, defendendo que, como o Alojamento Local, deveria haver uma regulamentação para a restauração. “Os portugueses e os lisboetas não chegam para suportar este ecossistema. Não há regulamentação, nem uma ideia de zoning.”

O Instituto Nacional de Estatística referiu recentemente que, na primeira primeira metade do ano, foram registados novos máximos de hóspedes no país – 14 milhões, um crescimento de 6% face ao mesmo período de 2023. Já os proveitos totais do alojamento turístico – que somam ao alojamento outros gastos inerentes à estada dos turistas, como restauração, lavandaria entre outros serviços – aumentaram 12,3% para perto de três mil milhões de euros.

“Está a haver uma bipolarização do turista. Por um lado, temos o turista de massas que olha, olha e não compra nada e, por outro, há o turista com elevado poder de compra que vem à procura do luxo, que vai para a Comporta e para Tróia. Aquele turista do meio, com algum poder de compra, mas que não é rico, desapareceu. Eram estes turistas que suportavam os restaurantes de gama média, e é aqui que o nosso espaço se insere. Este cliente está a desaparecer. Basta ir à cidade e vemos os restaurantes quase vazios, não é aquele cenário vibrante que existia há uns anos”, refere Hugo Brito.

A mesma opinião tem o chef Ivo Tavares, dono do restaurante Izcalli. “Há muitos turistas que só estão a fazer número e não frequentam os negócios e os turistas com dinheiro vão às grandes casas. O JncQUOI [marca de restauração do Grupo Amorim Luxury] está sempre cheio.” De acordo com o empresário, o negócio “está em queda livre”. “Tinha clientes que bebiam cinco cocktails por refeição e começaram a consumir apenas um, mudando depois para a cerveja.” O Izcalli optou pela redução do staff, depois uma adaptação do menu, vindo a fechar portas definitivamente.

O setor está a atravessar um período de turbulência, refere a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP). “Os números da atividade turística podem induzir uma perceção de que tudo ‘está bem e recomenda-se’, mas, infelizmente, não é bem assim. Há, de facto, uma parte significativa da restauração que se tem deparado com muitas dificuldades, sendo a dispensa de pessoal, obviamente, uma medida que se pode tomar para reduzir custos, muitas das vezes o último recurso para a subsistência do negócio. A procura parece não estar a corresponder ao esperado, está muito inconstante e desigual no território.”

Ana Jacinto, secretária-geral da associação, reforça que ainda há empresas a pagar a fatura da Covid-19. “Muitas empresas endividaram-se nessa altura, em que não tinham faturação, para poderem manter os seus negócios. Agora, obrigadas ao cumprimento do reembolso da dívida, veem-se confrontadas com um cenário de inflação, e de aumento de custos e de taxas de juro, o que as deixa praticamente sem tesouraria.”

Para já, não se pode traçar um cenário mais catastrófico e falar numa crise no setor, mas afiança que é preciso estar alerta. “Há estabelecimentos que ponderam, de facto, fechar portas, especialmente aqueles que se situam em locais fora dos centros turísticos, e na periferia das grandes cidades, mas julgo ainda ser prematuro afirmar-se que há, efetivamente, uma crise na restauração, apesar de haver sinais para os quais devemos estar especialmente atentos”, salvaguarda Ana Jacinto.

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