O que fará Kim Jong-un após a retirada das tropas norte-coreanas da Ucrânia? Especialistas adiantam os próximos passos

Meses depois de forças norte-coreanas terem sido destacadas para a linha da frente na região russa de Kursk, no âmbito da guerra contra a Ucrânia, surgem agora dúvidas sobre os próximos passos do líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un.

Pedro Gonçalves
Fevereiro 7, 2025
12:29

Meses depois de forças norte-coreanas terem sido destacadas para a linha da frente na região russa de Kursk, no âmbito da guerra contra a Ucrânia, surgem agora dúvidas sobre os próximos passos do líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un.

A retirada das tropas de Pyongyang, alegadamente após pesadas baixas em combate, levanta questões sobre a sua estratégia futura. Especialistas acreditam que Kim manterá uma aliança estreita com o presidente russo, Vladimir Putin, podendo também procurar um reaproximar-se da China. Além disso, há especulação sobre um eventual restabelecimento de contactos com os Estados Unidos sob a administração de Donald Trump.

Independentemente das movimentações diplomáticas, analistas acreditam que os norte-coreanos poderão regressar à guerra na Ucrânia após um período de reagrupamento, requalificação ou rotação de tropas.

Apoio contínuo ao esforço de guerra russo
Para Pyongyang, continuar a apoiar a Rússia na sua ofensiva, nomeadamente nos combates prolongados para desalojar as forças ucranianas de Kursk, faz sentido do ponto de vista estratégico.

“É provável que a Coreia do Norte veja pouco risco no seu apoio à invasão russa da Ucrânia”, afirma Bryden Spurling, investigador da Rand Corporation, citado pela Newsweek.

“Ao contrário de qualquer outro Estado envolvido no conflito, a Coreia do Norte contribui diretamente com forças terrestres”, acrescenta.

Relatórios de inteligência indicavam, no outono, que Kim Jong-un teria enviado cerca de 12 mil soldados para a Rússia, sendo que aproximadamente metade poderá ter sido morta ou ferida, segundo estimativas ucranianas. No entanto, não há confirmação independente destes números.

Moscovo e Pyongyang apresentam avaliações contraditórias sobre o desempenho dos militares norte-coreanos. Apesar de virem de uma sociedade altamente militarizada, as tropas não tinham experiência de combate real. Alguns observadores descrevem-nos como “carne para canhão”, enquanto fontes ucranianas destacam a sua disciplina e destreza no manuseio de armas.

“O seu nível de militarização confere-lhes algumas vantagens num conflito de desgaste como o que a Rússia enfrenta — nomeadamente, na quantidade de tropas e equipamentos, mais do que na qualidade”, explica Spurling.

Retirada das tropas norte-coreanas
Desde meados de janeiro que as forças norte-coreanas não são avistadas em combate, segundo fontes de Kiev. Samuel Ramani, do Royal United Services Institute (RUSI), aponta várias razões para esta ausência.

Pyongyang poderá estar alarmado com as pesadas baixas sofridas e receia que mais soldados sejam capturados pelas forças ucranianas. O próprio presidente Volodymyr Zelensky confirmou que a Ucrânia detém dois soldados norte-coreanos como prisioneiros de guerra.

“Um deles expressou o desejo de permanecer na Ucrânia”, revelou Zelensky. “O outro quer regressar à Coreia do Norte.”

Outro fator de preocupação para Pyongyang é a falta de preparação das suas tropas para a guerra moderna com drones, amplamente utilizada no conflito.

Segundo o coronel Oleksandr Kindratenko, das Forças de Operações Especiais da Ucrânia, os militares norte-coreanos, sem experiência nesta tecnologia, adotaram táticas improvisadas, como a remoção de armaduras para se deslocarem mais rapidamente e evitarem ataques de drones.

Contudo, a aliança entre Moscovo e Pyongyang não sofreu abalos significativos. “Nada mudou nas relações entre a Coreia do Norte e a Rússia”, assegura Andrew Yeo, do Brookings Institution. “Poderá haver mudanças táticas no campo de batalha, mas a relação estratégica mantém-se firme.”

Spurling reforça esta visão: “Tanto a Rússia quanto a Coreia do Norte têm mais a ganhar do que a perder com esta parceria neste momento.”

Apoio de Moscovo: benefícios para Pyongyang
Analistas acreditam que a Coreia do Norte está a receber, ou poderá vir a receber, assistência económica e apoio no desenvolvimento do seu programa militar em troca do fornecimento de munições, mísseis e tropas à Rússia.

Pyongyang poderá ambicionar acesso a tecnologia avançada russa, incluindo aeronaves e submarinos, afirma Spurling. Além disso, segundo Ramani, o regime norte-coreano poderia beneficiar da aquisição de bombas guiadas e mísseis projetados por Moscovo.

Nos últimos dias, têm surgido relatórios indicando que os mísseis norte-coreanos utilizados pela Rússia na guerra contra a Ucrânia tornaram-se mais precisos ao longo do tempo. Estes avanços tecnológicos, bem como as oportunidades de testar e aperfeiçoar armamento em cenário de guerra real, representam uma preocupação crescente para a Coreia do Sul.

“O verdadeiro teste para a Coreia do Norte é perceber o que estão a ganhar com a Rússia, mais do que a sua eficácia no combate contra os ucranianos”, sublinha Ramani.

Relação com Trump: uma nova oportunidade?
Desde que Trump regressou à Casa Branca, têm surgido especulações sobre uma possível reaproximação entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte.

O próprio Trump já admitiu que Kim Jong-un lhe deixa saudades. “Acho que ele sente a minha falta”, disse o presidente norte-americano em julho do ano passado. Já mais recentemente, referiu-se a Kim como um “tipo esperto” e “não um fanático religioso”.

Apesar destes comentários, a nova administração de Trump iniciou o mandato com sinais de tensão em relação a Pyongyang.

O secretário de Estado, Marco Rubio, classificou recentemente a Coreia do Norte como um “Estado bandido”, o que levou a uma resposta dura do regime.

“O comentário de Rubio é um disparate que mancha a imagem de um Estado soberano”, declarou o Ministério dos Negócios Estrangeiros norte-coreano, criticando também os planos da administração Trump para criar um “escudo de defesa antimíssil de próxima geração” semelhante ao sistema Iron Dome de Israel.

“O novo governo dos EUA demonstra claramente, desde o primeiro dia, a sua intenção hegemónica de manter a supremacia militar e reprimir Estados independentes e soberanos através de uma escalada armamentista irresponsável”, acusou o regime de Pyongyang.

Um relacionamento difícil, mas com possibilidades
Apesar de Trump e Kim terem mantido uma relação singular durante o primeiro mandato do republicano, há razões para crer que Pyongyang continuará a encarar Washington com ceticismo.

Em 2019, a cimeira de Hanói terminou abruptamente sem acordo, com Trump a abandonar as negociações declarando: “Às vezes, temos de nos levantar e sair.”

“Isso feriu os norte-coreanos”, explica Ramani. Além disso, Trump prometeu acabar com os exercícios militares conjuntos entre os EUA e a Coreia do Sul, algo que não se concretizou.

Embora alguns elementos da anterior equipa de Trump que dificultavam o diálogo já não façam parte do governo, os norte-coreanos continuam cautelosos. “Eles já foram queimados antes”, diz Ramani.

Yeo concorda: “A Coreia do Norte continua muito cética em relação aos EUA, sobretudo a longo prazo.”

No entanto, Pyongyang mantém uma postura pragmática e pode tentar restabelecer contactos para aliviar sanções ou garantir reconhecimento como potência nuclear.

Ramani sugere que Trump poderia tentar mediar um cessar-fogo na Ucrânia como forma de influenciar Putin e, simultaneamente, condicionar a cooperação militar entre Moscovo e Pyongyang.

Embora as intenções exatas de Kim Jong-un permaneçam incertas, uma coisa é clara: a Coreia do Norte continuará a desempenhar um papel relevante na geopolítica global, seja no campo de batalha, nas negociações diplomáticas ou na redefinição das suas alianças estratégicas.

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