Fisco com ‘olho’ de Inteligência Artificial a controlar os contribuintes? Sindicato diz que ideia do Governo é “uma anedota”
O Ministério das Finanças revelou recentemente a intenção de implementar ferramentas de inteligência artificial (IA) na Autoridade Tributária (AT), com o objetivo de melhorar o controlo sobre os contribuintes e combater a evasão fiscal. No entanto, o Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI) mostrou-se profundamente cético quanto à viabilidade e eficácia desta medida, classificando-a como uma “anedota” e alertando que a implementação poderá demorar anos a concretizar-se.
Objetivos do Governo com a inteligência artificial
A ideia de utilizar IA na AT surge num momento em que o Governo procura modernizar o sistema fiscal e tornar mais eficiente o processo de seleção de contribuintes e situações que merecem ser alvo de inspeção. Durante uma audição na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, no Parlamento, a secretária de Estado dos Assuntos Fiscais, Cláudia Reis Duarte, sublinhou que a IA será utilizada para construir “matrizes de risco”, com o intuito de identificar critérios específicos para selecionar as situações que devem ser investigadas pelo fisco.
A introdução desta tecnologia visa, de acordo com o Governo, acabar com a seleção de amostras aleatórias para inspeção, recorrendo a um sistema mais eficaz de cruzamento de dados. No entanto, a implementação destas ferramentas não tem um cronograma definido, e a sua introdução deverá ser gradual.
Apesar das boas intenções do Governo, o Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos mantém reservas quanto à concretização do projeto. Gonçalo Rodrigues, presidente do STI, foi particularmente crítico, destacando que os meios tecnológicos da Autoridade Tributária são insuficientes para acolher uma inovação deste calibre. “Os meios tecnológicos da AT são uma miséria. Qualquer projeto informático na AT, mesmo o mais simples, como um programa de gestão documental, demora anos a ser implementado e, ainda assim, funciona pessimamente. A IA vem combater a economia paralela? É uma anedota”, afirmou o líder sindical à CNN Portugal.
Rodrigues sublinhou que, embora a inteligência artificial possa ser útil na análise de grandes volumes de dados, a sua implementação prática enfrenta grandes obstáculos, nomeadamente a falta de capacidade tecnológica e a lentidão dos processos dentro da AT. Para ele, as promessas do Governo parecem mais um “soundbite” político do que um plano concreto. A crítica ocorre num contexto de negociações falhadas entre o Ministério das Finanças e o sindicato, o que agrava a desconfiança dos trabalhadores em relação às novas medidas.
O sindicato admite que a IA pode, de facto, trazer vantagens no tratamento de grandes quantidades de informação, ajudando a cruzar dados e identificar discrepâncias de forma mais rápida e eficaz. Contudo, Gonçalo Rodrigues alerta que a ferramenta não pode substituir as inspeções no terreno, que ele considera serem fundamentais para o combate à economia paralela.
“Fazer cruzamentos de informação é útil, mas não é o melhor caminho para o combate à economia paralela. É uma brincadeira”, acrescentou Rodrigues, reiterando que, na sua visão, o verdadeiro combate à evasão fiscal não se faz exclusivamente por via de algoritmos ou análises de Big Data.
Apesar da contratação de 400 novos inspetores que iniciaram funções recentemente, o STI aponta que o envelhecimento dos quadros da AT continua a ser um desafio. Muitos funcionários estão próximos da reforma e, segundo o sindicato, a gestão de grandes volumes de dados com IA poderá, no futuro, aliviar algumas das dificuldades geradas pela escassez de recursos humanos.
No entanto, o STI defende que a substituição gradual de mão de obra humana por inteligência artificial não deve ser vista como uma solução imediata para os problemas da AT, mas como uma medida de longo prazo que requer uma reestruturação profunda da infraestrutura tecnológica e do funcionamento interno do organismo.
A proposta de utilização de IA na AT reflete a vontade do Governo em modernizar o sistema fiscal e em combater a economia paralela de forma mais eficaz. No entanto, os desafios tecnológicos e estruturais da Autoridade Tributária colocam em causa a viabilidade da implementação num futuro próximo. O Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos permanece cético quanto aos resultados que esta medida poderá trazer, alertando para os problemas crónicos do setor.