Afinal, confisco de bens sem condenação já existe em Portugal há quase 30 anos
Afinal, uma das principais medidas apresentadas pelo Governo no âmbito da agenda anticorrupção, a do confisco de bens sem condenação, já existe em Portugal há quase 30 anos, indica esta sexta-feira o jornal ‘Público’.
A intenção do Executivo liderado por Luís Montenegro passa por aplicar o confisco alargado de bens a processos que tenham sido arquivados, admitindo “dispensar o pressuposto de uma condenação por um crime de catálogo”: de acordo com a ministra da Justiça, Rita Júdice, a intenção é que esse confisco possa ser decretado por juízes “mesmo que não haja condenação e que o processo seja arquivado” quando o tribunal ficar convencido que o bem tem origem em atividade criminosa.
No entanto, essa possibilidade já existe em Portugal desde 2002, quando se criou o mecanismo da perda alargada, que permite que em determinados crimes, onde se inclui a corrupção, se confisquem bens que nada têm a ver com o crime, mas simplesmente são incongruentes com os rendimentos declarados pelo criminoso. Tanto num regime como noutro não se exige sequer que os bens estejam em nome do suspeito.
Por exemplo, de acordo com o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Nuno Matos, quando um crime é considerado prescrito, logo o visado não pode ser condenado por ele. No entanto, se o tribunal considerar que houve vantagens ilícitas, essas podem ser declaradas perdidas a favor do Estado. Ou quando o suspeito do crime morre durante o processo, desde que o tribunal fique convencido de que os bens que vai confiscar (e podem já estar arrestados preventivamente à ordem do processo) têm origem numa atividade criminosa.
“Imaginemos que temos um crime de corrupção que rendeu cinco mil euros a alguém. Se se vier a investigar o património da pessoa, e se concluir que ela tem um milhão de euros em bens que não declarou nem consegue justificar, o tribunal pode confiscar esse milhão de euros”, explica o professor Mário Monte, catedrático na Faculdade de Direito da Universidade do Minho, ao jornal diário.
A diferença entre o regime clássico, previsto no Código Penal — que significava o confisco dos cinco mil euros que tinham sido a vantagem do crime —, e o da perda alargada, inscrito na Lei 5/2002 — que significa declarar perdido a favor do Estado o milhão de euros —, é que neste último é exigida uma condenação por uma lista específica de crimes. Para Nuno Matos, o que o Governo pretende fazer é ampliar a possibilidade que já existe para a perda clássica, que já permite confiscar sem uma condenação, à perda alargada.
No entanto, de acordo com o professor universitário, os “mecanismos estão previstos, mas raramente são utilizados”.