A história da Igreja de Inglaterra foi marcada esta sexta-feira com a nomeação de Sarah Mullally como a primeira mulher a assumir o cargo de arcebispa de Cantuária em 1.400 anos. O anúncio foi feito pelo Governo britânico após um processo conduzido pela Comissão de Nominações da Coroa, incluindo consultas públicas e a participação de representantes da Igreja de Inglaterra e da Comunhão Anglicana. A decisão foi aprovada pelo rei Carlos III, governador supremo simbólico da Igreja de Inglaterra, e a confirmação formal acontecerá em janeiro de 2026 pelo Colégio de Cánones da Catedral de Cantuária. A instalação oficial ocorrerá em março de 2026.
A nomeação coloca Mullally no cargo de liderança espiritual da Igreja de Inglaterra e como primada da Comunhão Anglicana, que congrega cerca de 85 milhões de fiéis em todo o mundo. Trata-se de uma posição que exige conciliar profundas divisões internas, nomeadamente entre grupos conservadores, especialmente em países africanos onde a homossexualidade é ilegal, e correntes mais liberais no Ocidente.
A escolha de Mullally é considerada um marco na história da Igreja de Inglaterra, a última grande instituição britânica a ser liderada exclusivamente por homens até à recente reforma que, há 11 anos, permitiu a ordenação de mulheres como bispas. Mullally torna-se assim a 106.ª arcebispa de Cantuária. Antes de ocupar este cargo, desempenhou funções como bispa de Londres desde 2018 e foi directora nacional de enfermagem do Governo para a Inglaterra.
Mullally destacou-se ao longo da sua carreira por apoiar causas progressistas dentro da Igreja, incluindo bênçãos a casais do mesmo sexo em uniões civis e matrimoniais. No seu primeiro discurso em Cantuária, a nova arcebispa condenou escândalos de abusos sexuais e questões de segurança que têm afetado a Igreja, assim como o antisemitismo, referindo o ataque a uma sinagoga em Manchester que provocou duas mortes.
“Estamos perante uma era que anseia por certezas e tribalismos, e um país que enfrenta questões morais e políticas complexas, incluindo migração e comunidades que se sentem ignoradas”, afirmou Mullally. Referindo-se ao ataque em Manchester, acrescentou: “Mindful of the horrific violence… estamos a assistir a um ódio que emerge das fraturas nas nossas comunidades. É a glória de Cristo que me dá esperança num mundo que muitas vezes parece à beira do abismo.”
Críticas e desafios no horizonte
A nomeação gerou críticas imediatas de grupos conservadores anglicanos, em especial do GAFCON, organização global de igrejas anglicanas conservadoras, que considera que a Igreja de Inglaterra “abdicou da sua autoridade para liderar”. Mullally respondeu: “Pretendo ser uma pastora que permita que o ministério e a vocação de todos floresçam, independentemente da nossa tradição.”
O seu mandato terá ainda o desafio de reconciliar posições divergentes sobre temas como a homossexualidade, o papel da mulher na igreja e a unidade da Comunhão Anglicana.
Sarah Mullally, de 63 anos, antes de se tornar bispa, foi ordenada sacerdotisa em 2002. É reconhecida pela sua dedicação ao serviço e pela experiência como enfermeira, tendo declarado: “Ao responder ao chamado de Cristo para este novo ministério, faço-o com o mesmo espírito de serviço a Deus e aos outros que me tem acompanhado desde a adolescência.”
A sua nomeação representa não apenas uma mudança histórica na liderança da Igreja de Inglaterra, mas também um sinal claro de transformação num contexto religioso marcado por debates profundos sobre tradição, inclusão e moralidade.














