Explicador: Afinal, porque é que a Rússia quer o Donbass?

ofensiva diplomática e militar de Moscovo mantém um ponto constante: a exigência de que a Ucrânia retire as suas forças do leste do país, nomeadamente da região do Donbass, área que Kiev defende desde 2014. Por que motivo é esta zona tão disputada?

Pedro Gonçalves
Dezembro 12, 2025
17:09

A ofensiva diplomática e militar de Moscovo mantém um ponto constante: a exigência de que a Ucrânia retire as suas forças do leste do país, nomeadamente da região do Donbass, área que Kiev defende desde 2014. Por que motivo é esta zona tão disputada? O que representa para Moscovo e qual é o impacto das propostas de cessar-fogo em negociação?

O que está em causa na reivindicação do Donbass?
Quando a Rússia lançou a primeira invasão em 2014, anexou rapidamente a Crimeia e deslocou tropas para o leste da Ucrânia. O alvo prioritário era o Donbass, que engloba os oblasts de Donetsk e Luhansk. Mais de dez anos depois, Moscovo continua a tentar assumir o controlo total da região, colocando essa exigência no chamado “quadro de paz” mediado pelos Estados Unidos.

Washington tem aumentado a pressão sobre Kiev, levando a Ucrânia a ponderar concessões profundas. O Presidente norte-americano Donald Trump explicou que, no seu entendimento, o compromisso russo consistiria apenas em “simplesmente parar de lutar”. “Eles [os russos] estão a fazer concessões. A grande concessão deles é que deixam de combater e não tomam mais território”, afirmou.

No entanto, para Kiev, as exigências são muito mais pesadas e incluem garantias de segurança, o estatuto da central nuclear de Zaporíjia e, sobretudo, a questão territorial do Donbass. Apesar das negociações, Moscovo não reduziu as suas reivindicações e quer que a Ucrânia abandone toda a região — incluindo áreas das províncias de Donetsk e Luhansk que jamais conseguiu ocupar plenamente ao longo de mais de uma década de guerra.

O conselheiro de política externa do Kremlin, Yuri Ushakov, alegadamente envolvido na elaboração de um plano inicial de 28 pontos, chegou a declarar — de forma infundada — que “todo o Donbass pertence à Rússia”. Segundo documentos divulgados, Moscovo pretende não só que Kiev abandone o território, como também que os Estados Unidos reconheçam o Donbass como parte da Federação Russa.

Quem controla atualmente o Donbass?
Depois de anos de ofensivas russas, quase toda a região de Luhansk permanece sob ocupação de Moscovo. A situação é distinta em Donetsk, onde as forças ucranianas mantêm cerca de 6600 quilómetros quadrados.

O Institute for the Study of War (ISW), centro de estudos norte-americano, estima que, mesmo com o ritmo actual de avanços russos e com o enorme investimento de recursos, Moscovo só conseguiria tomar o restante território de Donetsk por volta de Agosto de 2027.

Kiev transformou o leste numa autêntica linha fortificada, conhecida como “cintura de fortalezas do Donbass”, que se estende ao longo de 50 quilómetros no oeste de Donetsk. O ISW sublinha que “a Ucrânia passou os últimos 11 anos a investir tempo, dinheiro e esforço no reforço desta cintura de fortificações e na criação de uma infraestrutura industrial e defensiva significativa”.

Após a queda de cidades como Avdiivka e Bakhmut, Kiev reviu as suas posições defensivas e reforçou ainda mais o conjunto de trincheiras, barreiras antitanque, campos de minas e redes de apoio militar.

Porque é que o Donbass tem tanta importância económica?
Antes da invasão russa de 2014, o Donbass era o verdadeiro motor industrial da Ucrânia, concentrando grandes empresas metalúrgicas, minas de carvão e complexos químicos orientados para exportação.

O Centre for Economic and Business Research, sediado em Londres, estima que a região representava 15,7% do PIB ucraniano e 14,7% da população antes de 2014.

Entre 2014 e 2021, a Ucrânia terá perdido mais de 80 mil milhões de euros devido à ocupação russa — cerca de 8% do PIB anual pré-guerra. Em 2025, a última mina de carvão ainda operacional na zona teve de encerrar definitivamente.

Kiev revelou igualmente que os Estados Unidos têm defendido a criação de uma “zona económica livre” nas partes do Donbass que permanecem sob controlo ucraniano, proposta que o Presidente Volodymyr Zelensky associou a pressões para que a Ucrânia abandone essas áreas.

Será que a Ucrânia aceita retirar-se do Donbass?
Zelensky afirmou na quinta-feira que Washington propõe uma retirada ucraniana do Donbass, garantindo que as tropas russas não avançariam sobre esse território. Contudo, sublinhou as enormes incertezas da proposta.

“Quem governaria essa zona que chamam de ‘zona económica livre’ ou ‘zona desmilitarizada’? Não sabem”, declarou.

Acrescentou ainda: “Se um lado retira as suas tropas e o outro permanece onde está, o que impede que as forças russas avancem? Ou que se disfarcem de civis e assumam o controlo dessa zona económica livre? Isto é extremamente sério”.

O Presidente ucraniano reforçou que não há garantia de que Kiev aceite tal solução e afirmou que qualquer eventual compromisso teria de ser “um compromisso justo”. Zelensky explicou que uma decisão dessa magnitude só poderia ser tomada mediante eleições ou referendo, salientando que apenas “o povo ucraniano” pode deliberar sobre concessões territoriais.

Os números da ONU indicam que, entre 2014 e 2021, pelo menos dois milhões de pessoas foram obrigadas a abandonar as suas casas no Donbass devido à guerra, enquanto um número semelhante continuou a viver sob ocupação russa.

Partilhar

Edição Impressa

Assinar

Newsletter

Subscreva e receba todas as novidades.

A sua informação está protegida. Leia a nossa política de privacidade.