Um grupo de extrema-direita vai realizar este sábado, no Porto, o terceiro congresso do movimento Reconquista, uma organização que defende ideias como a “remigração” — a expulsão forçada de imigrantes — e a teoria conspirativa da “grande substituição”. O encontro vai decorrer no auditório Francisco de Assis, espaço anexo ao Colégio Luso-Francês, e deverá reunir várias figuras da denominada “alt right” europeia e americana, indicou esta sexta-feira o ‘Expresso’.
De acordo com o jornal semanário, o grupo preencheu um formulário para alugar o auditório sob o pretexto de organizar um “evento cultural”. No entanto, trata-se de uma conferência de cariz ideológico que contará com oradores vindos dos EUA, Alemanha, Reino Unido, Irlanda e França. Entre os portugueses está António de Sousa Lara, antigo deputado e subsecretário de Estado da Cultura nos Governos de Cavaco Silva, que ficou conhecido por ter vetado a candidatura de “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, de José Saramago, a um prémio europeu.
Gestão do auditório mantém evento “por contrato”
O coordenador do auditório Francisco de Assis, Nuno Santos, afirmou ao ‘Expresso’ que não irá cancelar o evento “devido ao contrato assinado com o cliente”, sublinhando que tem “obrigações” a cumprir. O responsável garantiu que o congresso decorrerá “à porta fechada” e apenas para quem possuir bilhete.
Nuno Santos afastou qualquer ligação ao colégio, frisando que “a gestão de rentabilização do espaço é própria do auditório” e que “toda a programação é da responsabilidade do cliente”. “Não temos qualquer filiação ou ligação com essa organização. Estamos num país livre e estamos só a rentabilizar o espaço”, disse, acrescentando que só soube quem estava por detrás do evento “há cerca de uma semana”.
Fonte da administração do Colégio Luso-Francês confirmou que o auditório, embora construído pela escola, “é explorado à parte e tem funcionamento autónomo”. Quando os responsáveis perceberam que se tratava de um grupo extremista, “já não havia possibilidade de voltar atrás”, explicou a mesma fonte.
Segundo o site do colégio, o auditório Francisco de Assis tem capacidade para 339 pessoas, palco de 140 metros quadrados e foyer com 228 metros quadrados, acolhendo “todo o tipo de eventos socioculturais, artísticos e académicos”.
Líder do movimento é arguido por crimes de ódio
O congresso é organizado por Afonso Gonçalves, influencer digital e dirigente do Reconquista, conhecido por publicar vídeos com mensagens racistas e misóginas. Gonçalves foi constituído arguido em novembro de 2024, suspeito de crimes de ódio e discriminação.
Num dos casos investigados pelo Ministério Público, o líder do movimento filmou-se dentro de uma mesquita no Norte do país, lendo passagens do Corão e afirmando que “Portugal está a financiar a sua própria destruição”. As declarações geraram alarme social.
Desde então, Afonso Gonçalves já foi detido em várias ocasiões: em abril, por ameaças a imigrantes junto à AIMA, em Lisboa, e em junho, junto a um templo Sikh, em Odivelas. Em março, foi expulso de uma reunião da Assembleia Municipal de Lisboa após fazer um discurso considerado injurioso. Elementos do Reconquista têm ainda invadido marchas LGBTQ+, manifestações e eventos públicos, incluindo celebrações do 25 de Abril.
Grupo já tinha enganado autarquia em Lisboa
O Reconquista, anotou o semanário, usou um estratagema idêntico no ano passado para conseguir realizar o seu segundo congresso, no Fórum Lisboa — sede da Assembleia Municipal. Na altura, o espaço foi cedido depois de o grupo se apresentar como “um coletivo de jovens” e de descrever o encontro como uma “conferência cultural sobre modernidade e coletivismo”.
Os responsáveis municipais só perceberam a verdadeira natureza do evento quando o congresso já estava a decorrer. Gonte camarária explicou que o nome “Reconquista” não levantou suspeitas, por ser também o título de um jornal regional. A autarquia acabou por autorizar o aluguer com base na descrição vaga enviada por email, permitindo a realização do encontro, que reuniu cerca de uma centena de participantes.
O III Congresso Reconquista está anunciado para este sábado, num local que a organização promete revelar apenas a quem comprar bilhete. A Polícia Municipal do Porto confirmou ter recebido uma denúncia sobre a realização do evento, mas até ao momento não há indicação de medidas adicionais para travar a conferência.













