Viagem ao futuro pós-pandemia: o “novo normal” em 30 pontos

Numa altura em que o novo coronavírus já infectou mais de três milhões de pessoas em todo o Mundo e em que os governos de vários países – incluindo Portugal – começam a pensar no desconfinamento e na retoma da economia, é natural que surjam várias dúvidas. Como será o Mundo pós-pandemia? O que muda e o que permanece igual?

Especialistas ouvidos pelo El Economista garantem que viveremos o resto das nossas vidas com a cicatriz do coronavírus e há quem dê exemplos práticos: ninguém desfrutará de um filme no cinema ou de uma ópera da mesma forma quando ouvir alguém tossir na sala. Há ainda previsões quanto aos cumprimentos, com um dos peritos a afirmar que as gerações actuais serão as últimas a dizerem olá ou adeus na companhia de um beijo.

A curto e médio prazo, eis 30 cenários possíveis para o dia-a-dia depois do COVID-19:

1 – China sairá reforçada e receada. A primeira previsão apontada pelo El Economista depois de ouvir dezenas de especialistas diz respeito à China: a nova ordem geopolítica inclinar-se-á em direcção a Oriente, com a China a sair reforçada da crise sanitária que teve origem precisamente numa das suas províncias. Segundo a publicação espanhola, a rapidez com que este país, a par da Coreia do Sul, saiu da crise representará uma vantagem competitiva.

O facto de os EUA banirem empresas chinesas funcionará como um elemento contra a capacidade económica do país, ao passo que a União Europeia terá perdido uma oportunidade de se mostrar unida. A China poderá ser também alvo de algum tipo de sanções ou ressentimento, uma vez que também na Europa se evidencia um apontar de dedos relativamente à pandemia;

2 – Endividados, fiscalizados e inflaccionados. Apontando à realidade de Espanha, o El Economista dá conta de uma previsão de défice de 9,5% devido ao COVID-19, com a dívida a representar 113,4% do PIB espanhol (dados do FMI). Antecipa-se também uma subida dos impostos para as multinacionais, grandes fortunas, doações, heranças, património ou transacções financeiras. A tríade de problemas é completada pela subida da inflacção, embora os bancos centrais possam vir a tolerar taxas de inflacção de até 5% para conter o défice;

3 – Proteccionismo empresarial. Outra tendência para o futuro pós-pandemia passará por políticas assentes no proteccionismo empresarial, ficando de lado as políticas mais liberais. A comissária europeia Margrethe Vestager já sugeriu que os governos adquiram participações em empresas consideradas estratégicas para evitar a ameaça das aquisições chinesas;

4 – Teletrabalho elevado a primeira força laboral. As economias do chamado Primeiro Mundo – ou Países Desenvolvidos – encontrarão no trabalho remoto o seu principal motor de produtividade e crescimento. Neste momento, de acordo com dados da Gartner, 81% dos funcionários das grandes corporações estão a trabalhar a partir de casa. A crise sanitária veio mostrar que é possível, especialmente no sector dos serviços;

5 – O escritório virtual. Associado ao teletrabalho, chega o escritório virtual, que dispensa um número elevado de metros quadrados. Ainda que com um potencial impacto significativo no sector imobiliário, as empresas cortarão nas despesas com rendas, transferindo o espaço de trabalho para o mundo digital. Será apenas necessário manter um local com salas de reuniões, por exemplo;

6 – Deixar o ar passar. Espaço será palavra de ordem depois de tantas vezes se ter ouvido repetir que o distanciamento social é importante e que é uma das principais armas ao dispor dos cidadãos para a prevenção do novo coronavírus. Como consequência, serão impactadas áreas como planeamento urbano, arquitectura ou decoração. A ideia passará por deixar mais espaço entre edifícios, por exemplo, e criar zonas exteriores como terraços ou jardins;

7 – A ascensão das videochamadas. Existem desde o início do século, mas as videochamadas nunca terão sido tão importantes como agora: o tráfego de chamadas por vídeo aumentou entre 300 e 700%. A tendência será para continuar, agora que os utilizadores perceberam que plataformas como Skype ou Zoom são intuitivas e fáceis de usar;

8 – Escravos dos ecrãs. A dependência dos ecrãs crescerá de forma inquietante, indica o El Economista, seja graças às rede sociais, aos serviços de streaming ou às videochamadas em grupo. Para a lista entram também as mensagens instântaneas, as amizades à distância, os jogos online e os diferentes tipos de equipamentos disponíveis – do telemóvel ao computador, passando pelo tablet e smartwatch;

9 – Controlo cibernético da população. Numa sociedade pós-pandemia, haverá o risco de os governos deixarem de lado quaisquer objecções relativamente à violação dos direitos de privacidade adquiridos antes da era da digitalização em massa. Poderemos mesmo estar a caminho do Big Brother de que Orwell falava em “1984”, com direito a controlo de deslocações através de pulseiras inteligentes, por exemplo;

10 – Reconhecimento facial. Os especialistas ouvidos pela publicação espanhola consideram que não será necessário que a polícia peça os documentos de um condutor, por exemplo. Existirão sistemas de reconhecimento facial capazes de automatizar esta tarefa. O passo seguinte seria o cruzamento entre os rostos e informações pessoais ou clínicas;

11 – Ciberameaças permanentes. Segundo os especialistas, as ameaças à espreita na World Wide Web serão as mesmas de sempre, mas deverá notar-se um agravamento em termos de intensidade. Especialmente, em ambientes domésticos com pouca segurança informática;

12 – Auto-suficiência local. A União Europeia deverá incentivar um diálogo sobre os sectores e as actividades que devem ser autónomos de um ponto de vista estratégico, não dependendo de empresas ou fornecedores externos. O objectivo será garantir que os países são capazes de responder a qualquer adversidade com os seus próprios meios. Para isso, os governos terão de apoiar determinadas indústrias;

13 – Fim do namoro com a bolsa. A maior parte dos investidores, excluindo os que assentam a sua actividade na especulação, deverá distanciar-se dos mercados. Seja por terem sofridos perdas significativas na sequência do COVID-19 ou por estarem desiludidos com os resultados conquistados;

14 – Oportunidade para os especuladores. No seguimento do cenário anterior, um mercado desmotivado será terreno fértil para investidores especuladores que gozem de alguma liquidez. Terão muitas oportunidades para comprar a preço acessíveis. Os especialistas consideram ainda que a subida nas bolsas coincidirá com o anúncio da descoberta de uma vacina para o novo coronavírus. Quem tiver sabido mover-se antecipadamente sairá vencedor;

15 – Pessoas que poupam transformam-se em investidores. Os cidadãos mais poupados que apostam, tradicionalmente, nos títulos de dívida para investir verão a dívida dos estados multiplicar-se. Como consequência, ver-se-ão obrigados a explorar outros tipos de investimento, vistos anteriormente como mais arriscados;

16 – Travão aos transportes públicos. Se os últimos anos têm sido de promoção dos transportes públicos, o mesmo poderá não acontecer num mundo pós-pandemia. Com o distanciamento social ainda muito presente no pensamento, a tendência será para apostar em meios particulares, nomeadamente automóvel próprio, bicicleta ou trotinete (estas últimas apenas para distâncias mais curtas);

17 – A saúde é o mais importante. O sector da saúde terá renovada importância e será alvo de mais atenção pelos governos, que quererão, por exemplo, aumentar o número de médicos de família. A par dos hospitais e demais unidades de saúde, também os lares ganharão peso e destaque.

No que às empresas diz respeito, os “cheques médicos” tornar-se-ão prática comum e haverá tecnologia capaz de detectar possíveis contágios à entrada dos escritórios (através de câmaras térmicas, por exemplo);

18 – Comércio electrónico à conquista do Mundo. O e-commerce estará a ser uma das principais áreas beneficiadas pela crise, antecipando-se um crescimento estrutural, que irá para lá do período de confinamento e pandemia. Para isso contribuirão as dificuldades que a distribuição tradicional encontrarão em recuperar o tempo (e terreno) perdido;

19 – Certificado de imunidade. Embora a Organização Mundial da Saúde já tenha dito que não faz sentido para já pensar num certificado de imunidade, o assunto aparece em cima da mesa de alguns países – nomeadamente EUA, Espanha, Alemanha e Reino Unido. Os serviços públicos estarão entre os mais interessados em saber quem são as pessoas imunes ao novo coronavírus;

20 – Menos imóveis vazios. A mesma publicação adianta que, com o crescimento do teletrabalho, mais pessoas procurarão segundas residências ou espaços onde possam conciliar a actividade profissional e a vida pessoal. Conectividade será o atributo mais procurado;

21 – Eventos públicos sofrem um golpe. O sector dos eventos deverá ser dos últimos a regressar ao trabalho, uma vez que as pessoas terão algum receio das multidões associadas a festivais de música ou conferências. O salto será feito para o digital, com os eventos virtuais a ganharem peso devido às circunstâncias.

Os eventos que se realizarem, de facto, presencialmente terão de reduzir o número de pessoas por metro quadrado e cumprir novas regras de higiene e segurança;

22 – Renovação de acordos colectivos. A saúde dos funcionários estará no centro da revolução pela qual as relações laborais passarão ao longo dos próximos meses, bem como as novas formas de teletrabalho. Segundo o El Economista, os sindicatos e as empresas serão chamados a digitalizar os acordos colectivos: «Passar-se-á do teletrabalho à força para a força do teletrablho», aponta Jordi Pons, CEO da WorMeter.

Será necessário, por exemplo, mudar os critérios de remuneração, que deverão deixar de ter por base o tempo passado em frente à secretária, tendo em conta a nova realidade do trabalho remoto. A avaliação será feita com base no cumprimento de objectivos e projectos, deixando nas mãos do trabalhador ou da equipa a escolha dos melhores métodos e ritmos. No fundo, os fins serão mais relevantes dos que os meios para lá chegar;

23 – Economia dos dados. As métricas já tinham um peso significativo, mas agora ganham ainda mais. Um inquérito da Bi-Survey mostra que 58% das empresas baseia metade das suas decisões comerciais na intuição ou experiência, em vez de em dados e informação. No futuro, essa deixará de ser a norma;

24 – Hotéis contactless. Não são apenas os meios de pagamentos contacless que ganham popularidade. Também no sector da hotelaria é esperada uma mudança no sentido de garantir o menor contacto possível: os hóspedes mostrar-se-ão reticentes a partilhar buffets ou esperar na fila para fazer o check-in. O caminho será o da digitalização e da individualização: por um lado, permitir que as portas se abram com recurso ao telemóvel, por exemplo; por outro, disponibilizar doses únicas de alimentos ou outros artigos;

25 – Será preciso quase um milagre para a aviação. Na opinião dos especialistas, o sector dos transportes precisará de fórmulas quase milagrosas para evitar quebras no negócio – que, habitualmente, depende de taxas de ocupação elevadas e de uma procura continuada. Agora, a realidade será precisamente o oposto.

Considerando as companhias aéreas, será necessário suprimir um terço dos lugares disponíveis nos aviões, em vez de aproveitar cada centímetro possível, e colocar barreiras de protecção. Como consequência os preços das viagens poderão saltar 40%, de acordo com previsões da International Air Transport Association (IATA);

26 – Turismo será nacional. Com medo de entrar num avião ou de visitar um país desconhecido, os cidadãos apontarão as suas férias aos próprios territórios. O chamado “vá para fora cá dentro” deverá ser rei durante os próximos tempos, sendo que também os governos poderão desempenhar um papel nesse sentido através do lançamento de campanhas de promoção de destinos locais;

27 – Blockchain chamado ao serviço. A tecnologia de blockchain deverá ser uma das principais armas da recuperação da crise provocada pelo COVID-19, já que se tem mostrado eficaz no desenvolvimento de soluções digitais seguras para transacções e certificações;

28 – Desafios para os laboratórios. Os laboratórios farmacêuticos e biotecnológicos também ganham novo peso, uma vez que recai sobre eles a tarefa de encontrar solução para as grandes ameaças da actualidade. Vão estar no centro das atenções e não lhes será dado descanso. Depois da pandemia e de possíveis mutações do coronavírus, os laboratórios deverão dar continuidade à luta contra o cancro e contra novas gerações de bactérias resistentes a antibióticos;

29 – Crescimento dos eSports. Os chamados desportos electrónicos, também conhecidos como eSports, deverão sair reforçados da quarentena. Em primeiro lugar, devido ao facto de tudo acontecer virtualmente e online. Em segundo lugar, porque as competições desportivas presenciais foram adiadas ou canceladas, fazendo com que esta seja uma das poucas opções possíveis para os fãs de desporto;

30 – A logística multiplicará de valor. «O coronavírus mostrou que a logística precisa de evoluir para construir cadeias de abastecimento mais resistentes», garante Anwar Zibaqui. O coordenador-geral da Ascame considera que é necessário garantir a segurança alimentar e sanitária, bem como a estabilidade.

A solução? Uma maior integração de infra-estruturas e mais rodovias que facilitem a ligação entre diferentes pontos geográficos, por exemplo. Segundo o especialista, uma abordagem como esta permitiria atrair empresas, aumentar as exportações e impulsionar o emprego.

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