Por Cláudio A. Franco, docente da Faculdade de Medicina da Universidade Católica Portuguesa
Navegamos para o desconhecido, atormentados por Adamastores intemporais.
No Dia Nacional da Cultura Científica, celebramos a criatividade da mente humana que nos impele a quebrar fronteiras e desmitificar o desconhecido.
Desde sempre, o desconhecido tanto nos fascina como nos assusta e atormenta. Nesta inquietação, a mente humana procura padrões e respostas que ajudem a explicar o mundo que nos rodeia e as causas por detrás dos eventos que presenciamos. Primordialmente, o ser humano recorria a mitos que tentavam racionalizar e apaziguar as nossas ansiedades individuais e coletivas. Mas ao longo dos séculos, a nossa intrínseca necessidade de descobrir e entender foi-se aguçando, e com Francis Bacon, René Descartes e Isaac Newton, entre muitos outros, o método científico, ancorado na formulação de hipóteses, experimentação e interpretação, consolidou-se, demonstrando o seu valor como uma força impulsionadora do desenvolvimento e conhecimento, com a enunciação e implementação de teorias que explicam o visível e o invisível.
O desenvolvimento tecnológico que o método científico proporciona está bem visível no nosso quotidiano e é, em geral, amplamente reconhecido na sociedade. Porém, o que é menos claro para a sociedade é que na génese de cada conquista está a criatividade da mente humana, com a sua capacidade de imaginar o desconhecido. Nesta fronteira do surreal, onde convivem um turbilhão de ideias, a ciência torna-se darwiniana e a diferença entre brilhantismo e irrelevância é a evidência. Há uma competição constante entre modelos e teorias, mas apenas as corretas – aquelas que são apoiadas com provas – é que verdadeiramente quebram fronteiras e se multiplicam em progresso e novo conhecimento. Por vezes é necessário esperar largos anos até que desenvolvimentos tecnológicos sejam capazes de fornecer as evidências que demonstram uma hipótese. Como no caso de Albert Einstein, que propôs a teoria da relatividade em 1905 e só em 1919 foi possível demonstrar a sua validade. Porém, apesar do frenesim do sucesso, é necessário compreender e aceitar que trabalhar na fronteira do desconhecido implica falhar e errar. Demonstrar que as nossas hipóteses estavam erradas, eliminando-as, também contribui para a busca da hipótese certa. Mesmo que, no fim, a História só lembre a hipótese e a descoberta certa, o sucesso é também alcançado nos ensinamentos retirados de muitas outras erradas.
E a necessidade de continuarmos a fazer ciência ainda está longe de terminar. Apesar de todo o progresso na compreensão do desconhecido, muito resta a desvendar. Os dados indicam que 80% do Universo é constituído por matéria/energia escura que desconhecemos por completo. O mesmo acontece dentro de nós. Entendemos o funcionamento das células do nosso cérebro, mas não sabemos como conseguimos pensar, imaginar e ter consciência de existirmos.
Hoje, porém, o valor da evidência parece ter perdido a sua aura, em particular, nas redes sociais e na política. A má-fé aliada à utilização abusiva de novas tecnologias, como a inteligência artificial generativa, cria ilusões, deturpa factos e fabrica perceções para desinformar e gerar confusão, reavivando velhos Adamastores. Cabe-nos, a todos os cidadãos, reafirmar o poder do método científico como garante dum progresso e desenvolvimento solidamente ancorado em evidência.
Imaginar o impossível é o motor do desenvolvimento humano. Celebremos juntos o espírito criativo neste Dia Nacional da Cultura Científica.




