Tarifas, inflação e crédito: Uma perspectiva necessária

Na prática, o aumento dos preços dos produtos estrangeiros torna os bens produzidos internamente relativamente mais atractivos – mesmo que, em alguns casos, não se tornem necessariamente mais baratos se a diferença de preços ultrapassar as próprias tarifas.

Revista Risco
Setembro 11, 2025
12:30

Por: José Trovão,  Head de Energia e Telecomunicações do ComparaJá

Na prática, o aumento dos preços dos produtos estrangeiros torna os bens produzidos internamente relativamente mais atractivos – mesmo que, em alguns casos, não se tornem necessariamente mais baratos se a diferença de preços ultrapassar as próprias tarifas. Por sua vez, se os produtos importados forem mais baratos que os nacionais, o resultado imediato pode ser um aumento no preço final de determinados bens. A situação complica-se ainda mais quando os produtos nacionais dependem de matérias-primas importadas, pois as tarifas também inflacionam os seus custos de produção.

Tarifas e a Dinâmica dos Preços
Podemos pensar nas tarifas como um “filtro” que separa o custo dos produtos estrangeiros dos que são fabricados internamente. Em contextos onde as tarifas são aplicadas apenas aos produtos finais – evitando, por exemplo, taxar matérias e produtos que serão transformados –, é possível controlar melhor o efeito inflacionário. Mas, quando esse filtro se torna abrangente, o custo de produção pode aumentar, forçando as empresas a escolher entre absorver os custos (e reduzir margens de lucro), ou passar esse valor acrescido para o consumidor final.
Exemplifiquemos:

  • Calçado da Nike – Grande parte dos produtos é fabricada no Vietname, sujeitos a tarifas que podem ultrapassar os 40%. Se essas tarifas forem transferidas para o preço final, o consumidor americano verá o preço do produto subir.
  • iPhone da Apple – Com a maioria dos componentes produzidos fora dos Estados Unidos, as tarifas podem elevar o custo de produção. Se a Apple decidir passar esse acréscimo de custo para os consumidores, os iPhones no mercado americano terão um preço mais elevado.

Tarifas e o Impacto na Inflação
A questão que naturalmente surge é se as tarifas “causam inflação”. A resposta depende da forma como as empresas lidam com o aumento dos custos.

  • Absorção do impacto: se estas optarem por reduzir as suas margens em vez de elevar os preços, o efeito inflacionário directo no consumidor poderá ser mitigado. Contudo, a redução de lucro pode afectar a capacidade de aumentar salários ou distribuir dividendos, o que, por sua vez, influencia o rendimento disponível da população.
  • Aumentos de preço: por outro lado, se os aumentos forem integral ou parcialmente passados para os consumidores, teremos um cenário de inflação, onde o valor final pago por bens e serviços aumenta gradualmente.

Como as Tarifas Influenciam o Crédito
O impacto das tarifas não se restringe aos preços dos produtos: tem também implicações directas no mundo dos créditos. A relação é intrínseca e está condicionada ao comportamento dos Bancos Centrais, que têm dois mandatos fundamentais: garantir a estabilidade dos preços (i.e., manter a inflação perto dos 2%) e promover o pleno emprego (ou o desemprego baixo, tipicamente abaixo de 4%). Para cumprir estes objectivos, existem duas ferramentas fundamentais:

  1. Ajuste na Oferta de Moeda
    Os Bancos Centrais têm o poder e capacidade de aumentar a quantidade de dinheiro em circulação, com o benefício de estimular a actividade económica, facilitando o acesso ao crédito. A outra face desta moeda é a inflação, com o consequente aumento de preços (a procura aumenta face à mesma oferta de bens e serviços), o que leva a subidas nos valores de financiamento e, naturalmente, prestações de crédito maiores.
    Por outro lado, se os Bancos Centrais reduzirem a quantidade de dinheiro em circulação, arrefecem a actividade económica, reduzem a inflação (ao reduzir a capacidade de procura face à mesma oferta), baixam os montantes de financiamento e, consequentemente, o valor das prestações associadas. A consequência será um acesso a crédito mais difícil e possivelmente spreads mais elevados – uma “bola de neve” que causa novamente a subida das prestações.
  2. Taxas de Juro
    Uma subida da taxa de juro por parte dos Bancos Centrais é uma ferramenta clássica para manter a inflação controlada. Ao controlar a inflação, o Banco Central está a reduzir o montante financiado necessário para adquirir um bem ou serviço. No entanto, esta medida também aumenta a componente de juros da prestação de novos créditos ou de créditos existentes com taxas variáveis. Isto torna o crédito mais difícil e restrito, reduz a procura e, como tal, os preços.
    A acção contrária é a redução das taxas de juro com a intenção de reduzir prestações e aumentar a oferta de crédito (estimulando a economia). Uma das possíveis consequências desta acção é um aumento da inflação de médio-longo prazo. Aqui entra novamente o efeito “bola de neve”, pois se a inflação for persistente, então os consumidores terão de obter financiamentos mais elevados para adquirir um determinado bem (ainda que a componente de juros seja mais baixa). Para controlar estes efeitos, os Bancos Centrais precisam de aumentar novamente a taxa de juro, gerando os efeitos do parágrafo anterior.

E as tarifas, onde entram na equação?
Se o aumento dos custos for passado para os consumidores, então as tarifas irão provocar inflação. Os Bancos Centrais irão então aumentar as taxas de juro, ou reduzir o montante de dinheiro em circulação, para combater a subida de preços. Isto resultará em maior dificuldade na obtenção de crédito e um aumento da prestação (via subida do montante a financiar e da componente de juros).
Se as empresas assumirem em grande parte os custos das tarifas, os Bancos Centrais poderão continuar a sua trajectória actual de redução de taxas de juro e estímulo da economia. As empresas irão perder margem mas, se os governos estimularem a economia, então o impacto nas empresas pode ser reduzido. Em contrapartida, seriam as finanças públicas a suportar as tarifas e a ficar mais deterioradas, o que, por sua vez, também pode ter consequências nos apoios sociais à população.

 Perspectiva para Portugal e UE
As repercussões das tarifas variam consoante o contexto do país ou região. No caso de Portugal, a economia tem uma ligação e dependência maior com a da União Europeia face aos Estados Unidos. Assim, o impacto directo de tarifas impostas pelos EUA deve ser limitado, estando mais condicionado a eventuais alterações na política monetária definidas pelo Banco Central Europeu (BCE), especialmente se as tarifas acarretarem inflação nos restantes Estados-membros. Por outro lado, se a UE responder aos EUA com as suas próprias tarifas, poderá haver um aumento dos preços que, sem alternativas competitivas, afectará também o mercado português.
Para a União Europeia, com um volume maior de trocas comerciais com os EUA, a negociação de parceiros alternativos torna-se crucial. Caso não se consiga substituir estes parceiros de forma eficaz, poderemos ver uma desaceleração na actividade económica, queda das margens empresariais e, potencialmente, uma pressão para que o BCE ajuste a sua política monetária – factores que, em última análise, irão impactar o acesso e as condições de crédito.

E agora?
Apesar do pânico sentido nos mercados accionistas nos últimos dias, com os índices a cair 3-5% em dias consecutivos, estes movimentos não implicam um impacto directo da economia, particularmente porque os impactos das tarifas ainda não são conhecidos.
Não obstante, é um tema bastante relevante que deverá ser acompanhado para avaliar se é relevante renegociar créditos actuais, ou se é o momento ideal para estar exposto a um endividamento excessivo
Caso Portugal e a UE consigam encontrar parceiros alternativos aos EUA, então não haverá motivos para preocupação (excepto se passarem a estar dependentes de parceiros mais instáveis).
Caso não o consigam fazer, então a questão–chave é quanto tempo durará este tema. Se for algo temporário, onde todos os países cooperam e as tarifas acabam ou reduzem substancialmente, então apenas teremos um impacto mínimo. Se for permanente, então todos sairão prejudicados. Não sendo este último o cenário pretendido por nenhuma das partes, então é provável que existam negociações e, daqui a uns anos, já ninguém se lembre deste tópico
Concluindo, a recomendação é acompanhar de perto esses movimentos – tanto na frente política como nas respostas dos Bancos Centrais – antes de tomar decisões relacionadas com novos créditos ou ajustes nos já existentes. Se se sentir confuso sobre se deve ou não assumir um novo crédito diante deste cenário, fale connosco no ComparaJá. Estamos prontos para oferecer uma opinião especializada e gratuita, ajudando-o a tomar a melhor decisão para o seu futuro financeiro. 

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