“Se Trump carregar num botão manda a Europa para a Idade da Pedra”: dependência tecnológica preocupa responsáveis europeus

De acordo com um estudo publicado no passado dia 24 pelo ‘Synergy Research Group’, 70% dos dados de empresas e instituições europeias são armazenados por empresas americanas, especificamente Amazon, Google e Microsoft, que também lhes fornecem acesso a todos os tipos de serviços de TI

Francisco Laranjeira
Agosto 4, 2025
15:21

A Europa é tremendamente dependente dos Estados Unidos, especialmente em termos de tecnologia. Quase não existem alternativas aos serviços americanos, e os países europeus estão a começar a perceber que isso pode ser um problema.

De acordo com um estudo publicado no passado dia 24 pelo ‘Synergy Research Group’, 70% dos dados de empresas e instituições europeias são armazenados por empresas americanas, especificamente Amazon, Google e Microsoft, que também lhes fornecem acesso a todos os tipos de serviços de TI. Ao mesmo tempo, a participação de mercado local de provedores europeus está estagnada em 15%, onde se mantém desde 2021. E há um medo crescente na UE sobre o que isso significa.

Segundo a lei americana, o Governo Trump pode solicitar que qualquer um de seus provedores de armazenamento entregue dados europeus, independentemente de as informações estarem localizadas dentro ou fora dos EUA. E, para isso, a empresa de tecnologia em questão não precisa de autorização prévia do Estado ou da empresa à qual pertence. Anton Carniaux, diretor de assuntos públicos e jurídicos da Microsoft França, reconheceu isso recentemente numa audiência no Senado francês, onde compareceu, especificamente por medo de possível espionagem, lembrou o jornal espanhol ‘ABC’.

Atualmente, devido ao clima de tensões e à guerra comercial iniciada por Trump, diversos Governos e instituições europeias estão a começar a reconsiderar o uso de tecnologia americana. Em junho, deputados holandeses solicitaram que o Governo utilizasse pelo menos 30% de serviços de nuvem holandeses ou europeus até 2029. No mesmo mês, a cidade francesa de Lyon e o estado alemão de Schleswig-Holstein abandonaram o Windows para optar pelo sistema operacional Linux de código aberto. Da mesma forma, diversas cidades dinamarquesas, incluindo Copenhaga, optaram por interromper o uso dos serviços do Microsoft Office e substituí-los pelo LibreOffice.

“Se dependermos apenas das suas soluções, a nossa sociedade tornar-se-á extremamente vulnerável num mundo em constante mudança, sob pressão de grandes potências, tensões geopolíticas e da corrida tecnológica”, observou Morten Bodskov, ministro do Comércio e Indústria da Dinamarca.

O principal motor de busca da UE: alemão e com apenas 0,4% de quota de mercado

Se a Europa depende dos serviços de software dos EUA, também depende das suas ferramentas para encontrar informações online. Isso é demonstrado pelo facto de que o Google, ano após ano, continua a ser o mecanismo de busca preferido, com uma participação de mercado atual superior a 90%.

No Velho Continente, o único mecanismo de busca que obteve algum sucesso foi da empresa alemã Ecosia, que detém uma participação de mercado de 0,4%. Segundo fontes da empresa, a causa da dependência tecnológica na UE é “a mediocridade política europeia e o facto de as administrações públicas gastarem centenas de milhares de milhões de euros de dinheiro público todos os anos em soluções de TI estrangeiras”.

Sancho Lerena, diretor executivo da Pandora FMS, explicou que a atual situação de dependência, somada às decisões voláteis e imprevisíveis de Trump, levou a “um momento em que acho que todos deveriam acordar”. “Se Trump quiser cobrar uma taxa para aceder aos serviços tecnológicos das empresas, ele pode fazê-lo, a qualquer momento. Ou forçá-las a cortar o serviço. Na tecnologia, se ele decidir apertar um botão, pode mandar-se de volta à Idade da Pedra, porque não estamos preparados para viver sem as suas ferramentas. Se decidir obrigar a pagarmos mais pela sua tecnologia, teremos de fazê-lo, gostemos ou não”, acrescentou o especialista, cuja empresa fornece software e serviços de cibersegurança para empresas em todo o mundo.

Na opinião de Lerena, a indústria europeia de software precisa apenas que Bruxelas se “comprometa verdadeiramente” com a tecnologia da UE para que pelo menos possa ser alcançado um certo grau de independência digital.

No entanto, os números deixam claro que ainda há muito trabalho a ser feito. Novamente, de acordo com o ‘Synergy Research Group’, entre os provedores europeus de serviços em nuvem, a SAP e a Deutsche Telekom são as líderes, cada uma representando 2% do mercado europeu. Elas são seguidas pela francesa OVHcloud, Telecom Italia, Orange e uma longa lista de players nacionais e regionais, que representam menos de 1% da participação de mercado.

“É muito difícil competir porque quase não há concorrentes, e muitas empresas europeias optaram por se tornar parceiras diretas de empresas americanas”, referiu José Luis Casal, analista de negócios digitais que trabalha para diversas empresas de tecnologia. “Competir com empresas como Microsoft, Amazon ou Google é como bater numa parede”; em parte porque “é muito fácil aceder aos seus serviços, mas também é como colocar em algemas; porque sair e recuperar todas as suas informações, tecnologicamente, pode ser muito complicado”, referiu.

Seja como for, as empresas americanas começaram a levar em conta as preocupações dos utilizadores europeus. A Microsoft prometeu recentemente construir uma nuvem dedicada para a Europa, a fim de ajudá-la a “navegar pelo ambiente geopolítico incerto”.

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