Por António Ramalho, gestor
Deste os tempos em que Drucker, nos anos 90, defendia a responsabilidade da gestão por uma comunicação clara dos objectivos empresarias e o foco no bem comum das organizações até à publicação dos Principles de Ray Dalio em 2017 ao enumerar a “transparência radical” ao lado da meritocracia de ideias, vai um longo período de evolução, mas a tendencia é evidente.
Convém lembrar que desde sempre se exigiu às empresas um especial dever de informação essencial para uma adequada avaliação da sua credibilidade (que não é mais que uma avaliação de crédito global que servisse potenciais clientes, fornecedores e Bancos). Informação esta que se tornava ainda mais exigente quando se tratava de empresas cotadas. É, no entanto, curioso que as exigências informativas para as empresas com acções cotadas superem as exigências das empresas com dívida cotada. Isto só significou mais respeito ao potencial proprietário do que ao potencial credor ou de um reconhecimento da correlação directa entre risco e informação.
Mas a transparência da informação disponibilizada foi rapidamente evoluindo para a informação analisada. Este é o período de especiais obrigações informativas a recair sobre os Conselhos Fiscais que se estendeu aos auditores independentes e finalmente às agências de rating após o susto de incompetência que a crise financeira de 2008 detectou.
Este progressivo caminho da transparência foi progressivamente controlado, primeiro por entidades administrativas, depois por entidades de supervisão, mais recentemente por entidades judiciais e finalmente pelo progressivo e natural escrutínio da Comunicação Social em linha com o evoluir das tendências dominantes da sociedade.
São muitos e variados os sintomas desta prioridade à transparência. Começam por ser os deveres de informação, continuam pelos deveres de análise dessa informação, pelas regras de redução dos riscos de informação privilegiada e terminam nos impedimentos pelo simples potencial de informação de privilégio. Regras de conflitos de interesse, de partes relacionadas, de compliance informativo atingiram um detalhe baseado no “dano de perigo” e não na verificação da irregularidade.
As empresas colocaram a Transparência nas suas políticas, definiram-na nos seus regulamentos inseriram-na nos seus propósitos.
A transparência que começou por ser método ou meio passou a ser fim em si mesmo. Quantos gestores se orgulharam em público de serem gestores transparentes, como passaporte de credibilidade?
Recentemente, porém, quando me preparava no IMD para funções não executivas tive uma conferência com um Presidente de uma Cruz Vermelha europeia que questionou os presentes sobre os limites da transparência. Quantas vidas se teriam perdido se todos os movimentos das organizações humanitárias fossem previamente conhecidos? Quantos acordos humanitários teriam sido impossíveis se fossem geridos de forma transparente? Quantas trocas de prisioneiros seriam goradas? Quanto sofrimento não teria de ser assumido em nome da transparência?
Colocado desta forma tão crua, muitas das convicções da moda poderão ser colocadas em causa. Será a transparência um valor por si só? Cederá ela a outros valores mais relevantes? E a quem cabe decidir?
Questões como estas terão que ser trazidas para a gestão moderna e para a vida quotidiana de cada sociedade.
Será legítimo publicar as remunerações dos gestores? Isso não permitirá a mais fácil contratação pela concorrência? Não facilitará a cartelização dos vencimentos? E não divulgará os segredos do “benchmarking”?
De facto, parece difícil compatibilizar a exigência de máxima transparência com os princípios do segredo do negócio. E se os negócios que estão sujeitos a sigilo especial ainda se podem refugiar na lei, os segredos comerciais parecem não merecer qualquer proteção. Que exemplo melhor que a facilidade com que se exigiu a divulgação da lista de clientes a um político português numa unanimidade totalmente irrefletida. Basta pensar num Grande Empresário Exportador que venha a ser líder político (o que aliás não é raro, para perceber o absurdo do unanimismo).
A Transparência como propósito final encerra em si mesmo este problema. Torna tudo público. Anula o sentido do segredo de negócio. Expõe o gestor em todas as suas decisões ao escrutínio público.
Recordo que no século passado era possível comprar um banco num fim de semana e apanhar toda a gente desprevenida. Contratar um CEO sem que ninguém esperasse. Hoje, temo que tudo isso seja impossível. Com prejuízo para a liberdade do gestor, com redução na surpresa dos mercados e com limitação à diferenciação perante concorrentes.
Ainda recentemente se discutia se era prática anti-concorrencial a mera troca de informação entre instituições financeiras no credito à habitação ainda que sem consequências na agressividade comercial dos concorrentes (um processo aliás muito mediatizado),quando em simultâneo se publicam centenas de páginas em relatórios cheios de informação sobre políticas internas, riscos operacionais e detalhes de informação financeira por simples obrigação legal que, certamente, afectará a capacidade de diferenciação concorrencial.
Mas mais problemático é o assunto quando o conceito de transparência não é a divulgação selectiva (ao regulador ou ao órgão judicial) mas sim a divulgação pública e notória.
Porque desta forma se alarga o escrutínio não ao intermediário tecnicamente preparado (o auditor ou a agência de rating) mas à opinião pública indiferenciada. A tecnicidade passa a ser substituída pelo bom senso, na melhor hipótese, pelo populismo gestionário, no pior dos cenários.
A moderna gestão chama a isso o “risco reputacional” que não é muito mais que a opinião publicada recolhida por entidades supostamente independentes.
Quantas vezes uma primeira página de jornal não inverteu decisões de gestão conscientemente tomadas ou mesmo estratégias longamente amadurecidas.
Desengane-se quem acha que a Transparência não veio para ficar na gestão moderna, nas exigências do século XXI. Mas desengane-se quem pensa que a transparência como fim não terá de ser repensada, mitigada e regulada de forma a compatibilizá-la com o segredo do negócio, com a concorrência da surpresa e com a reserva da informação.
Porque em última instancia a Transparência, na sociedade, na política e na gestão, não pode ser um fim em si mesmo…mas um mero instrumento para atingir um propósito maior. E sobre os propósitos e o seu accountability temos sido bem menos prolixos e reflexivos. E infelizmente, na gestão, é bem mais comum falhar na obtenção do resultado proposto do que errar no método escolhido
Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 232 de Julho de 2025













