UE quer criar ‘frente unida’ de economias mundiais para bater o pé às tarifas de Trump

União Europeia começou a mobilizar uma rede sem precedentes de alianças comerciais com países-chave como Canadá, Japão e ÍndiaUnião Europeia começou a mobilizar uma rede sem precedentes de alianças comerciais com países-chave como Canadá, Japão e Índia

Francisco Laranjeira
Julho 14, 2025
12:07

A União Europeia planeia apresentar uma ‘frente unida’ para combater as forças protecionistas dos EUA de Donald Trump, naquele que pode ser o início de uma nova área de comércio livre forjado por várias potências económicas mundiais onde não estariam presentes as duas maiores economias mundiais – os EUA e a China.

A União Europeia começou a mobilizar uma rede sem precedentes de alianças comerciais com países-chave como Canadá, Japão e Índia, numa tentativa de conter a onda de protecionismo impulsionada por Donald Trump. Segundo indicou esta segunda-feira a ‘Bloomberg’, Bruxelas procura coordenar respostas e fortalecer laços com as economias afetadas de forma semelhante pelas novas tarifas dos EUA, enquanto o diálogo bilateral com Washington estagna.

A estratégia representa uma mudança pragmática e defensiva diante de uma administração dos EUA cada vez mais hostil ao comércio multilateral. Esses países podem ser acompanhados por outros proeminentes, como a Coreia do Sul. Nada está claro ainda, mas as negociações entre esses países podem variar desde a formação de uma frente unida contra os EUA até o início de uma série de negociações para “liberalizar” (reduzir tarifas) o comércio entre eles, tentando “isolar” as forças protecionistas nos EUA.

Os contactos, ainda que discretos, visam explorar mecanismos de coordenação com nações que, assim como a UE, têm sido alvo das últimas ameaças tarifárias do presidente Trump. Estão previstas tarifas de 30% sobre produtos europeus, que podem entrar em vigor em agosto, afetando diretamente setores estratégicos como automóvel, metais e produtos agrícolas. Esta semana, a comissária Europeia para a Concorrência, Teresa Ribera, em Pequim, enfatizou a necessidade de “aprofundar os acordos com a Índia e outros países da região Ásia-Pacífico”, ressaltando que as negociações com Nova Dehli podem ser concluídas antes do final do ano.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou uma prorrogação até 1 de agosto da suspensão das contra-medidas contra os EUA para ganhar tempo para as negociações. No entanto, deixou claro que o bloco já preparou dois pacotes de retaliação: um no valor de 21 mil milhões de euros e outro, mais substancial, de até 72 mil milhões de euros. “Continuaremos preparados”, alertou.

Os dados refletem a magnitude do desafio: em 2024, a UE foi a maior compradora de produtos americanos, com importações no valor de 815 mil milhões de dólares, em com exportações de 666 mil milhões, gerando um déficit comercial de 148 mil milhões de dólares para os EUA. Nesse contexto, as ameaças de Trump foram interpretadas por Bruxelas como uma manobra política e não como uma necessidade económica. Mesmo assim, as consequências podem ser profundas: segundo o Goldman Sachs, se as novas tarifas forem implementadas e mantidas, o PIB da zona do euro poderá cair 1,2% até 2026.

A nova tarifa generalizada de 30%, combinada com medidas setoriais já ativas (como a tarifa de 25% sobre automóveis e componentes ou a tarifa de 50% sobre cobre), aumentaria a tarifa efetiva dos EUA sobre a UE em 26 pontos percentuais. A Comissão continua à procura de um acordo para limitar os danos: tarifas de no máximo 10% sobre produtos agrícolas, isenções em setores-chave como a aviação e compensação tarifária por meio de cotas. Mas Washington, por enquanto, permanece inflexível.

A escalada também tem um claro tom geopolítico. A UE interpreta essa disputa comercial como parte da estratégia mais ampla de Trump para remodelar a ordem económica global em favor dos EUA, enfraquecendo alianças tradicionais. Ao mesmo tempo em que impõe novas barreiras comerciais, o seu Governo está a introduzir tarifas sobre setores estratégicos, como produtos farmacêuticos e semicondutores, com o objetivo de forçar a realocação industrial. Bruxelas, que defende uma abordagem cooperativa, teme que essa espiral de protecionismo mine os fundamentos do comércio internacional.

Diante da possibilidade real de uma guerra comercial em larga escala, a UE começou a explorar novas vias diplomáticas. A Índia apresenta-se como parceira prioritária, mas também estão a ser abertas vias com a Austrália, a Indonésia e a Coreia do Sul. A visão europeia é consolidar um eixo de países abertos ao comércio, com regras claras e marcos comuns, diante da guinada unilateralista de Washington.

A chave, no entanto, continua a ser a unidade europeia. Von der Leyen e Merz concordam que qualquer estratégia bem-sucedida dependerá de uma posição comum entre os 27 Estados-membros. As negociações com Washington continuarão esta semana, com foco nos automóveis, agricultura e medidas não tarifárias. Mas o tempo está a esgotar-se e a margem de manobra está a estreitar-se. Se não houver acordo até 1º de agosto, a Europa desencadeará sua bateria de retaliações e o conflito comercial tornar-se-á oficial.

“A UE não procura o confronto, mas também não pode permitir que a sua economia seja encurralada por decisões unilaterais”, frisou um diplomata europeu. Assim, enquanto Trump aguça a sua retórica de campanha com ameaças tarifárias, Bruxelas constrói alianças, elabora planos de contingência e prepara-se para uma nova era de turbulência comercial.

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