Esta cidade comprou um hotel para resolver o problema dos sem-abrigo. E parece que está a resultar

O investimento de 8 milhões de dólares, proveniente dos fundos do American Rescue Plan Act, de 2021, visa preservar a estabilidade habitacional na zona de Brentwood e fornecer uma solução permanente para a crescente população de pessoas sem-abrigo.

Pedro Gonçalves
Fevereiro 16, 2025
12:00

A cidade de Raleigh, na Carolina do Norte, tomou uma medida ousada para enfrentar a crescente crise de sem-abrigo: comprou um hotel. O investimento de 8 milhões de dólares, proveniente dos fundos do American Rescue Plan Act, de 2021, visa preservar a estabilidade habitacional na zona de Brentwood e fornecer uma solução permanente para a crescente população de pessoas sem-abrigo.

Em pleno bairro de Brentwood, onde a gentrificação se faz sentir com a construção de complexos imobiliários sofisticados, como os Broadstone Oak City Apartments, a cidade adquiriu o Hospitality Studios, um hotel de 117 quartos localizado ao lado do novo empreendimento. O objetivo da cidade é claro: proteger os residentes da zona das inevitáveis subidas de renda e fornecer uma solução habitacional permanente para as pessoas sem-abrigo que, de 2021 a 2024, aumentaram em 200% em Raleigh.

Emila Sutton, directora de habitação e bairros de Raleigh, explica que este projeto tem um carácter duplo: “preservar a habitação para as pessoas que já lá vivem e oferecer uma opção acessível para quem está em risco de perder a casa”. Este modelo tem como base a ideia de que muitas pessoas em risco de sem-abrigo enfrentam dificuldades devido ao seu histórico de crédito e despejos anteriores, que as excluem das opções de habitação convencional.

O impacto da pandemia na crise de sem-abrigo

Durante a pandemia de COVID-19, muitos estados e cidades dos EUA usaram hotéis e motéis como solução temporária para acolher pessoas sem-abrigo. O projecto “Roomkey” da Califórnia, por exemplo, relocou cerca de 62.000 pessoas para hotéis, enquanto em Nova Iorque, 9.000 pessoas saíram dos abrigos para hotéis. Uma pesquisa publicada no Journal of Social Distress and Homelessness revela que as pessoas que vivenciaram este modelo de alojamento experimentaram melhorias significativas na saúde física, sono, higiene pessoal, segurança e bem-estar geral.

Raleigh não é a única cidade a apostar nesta solução. Chicago também comprou recentemente o histórico Diplomat Motel, transformando-o no Haven on Lincoln, uma opção habitacional para pessoas em situação de sem-abrigo. Em Brooklyn, o 90 Sands, uma antiga unidade hoteleira, foi renovado para proporcionar habitação permanente a centenas de pessoas que anteriormente viviam nas ruas. Este movimento ganhou força em várias partes do país, com o projecto “Project Turnkey Act”, proposto pela deputada Suzanne Bonamici, que, se aprovado, canalizará um bilhão de dólares anuais para a compra e conversão de hotéis e outros edifícios desocupados em habitação ou abrigos.

Segundo um estudo da National Alliance to End Homelessness de 2017, o custo anual por pessoa para sustentar a condição de sem-abrigo pode variar entre 35.000 e 96.000 dólares, dependendo dos serviços públicos utilizados, como abrigos e hospitais. No entanto, se essas pessoas forem alojadas, os custos caem para uma faixa entre 18.000 e 34.000 dólares anuais. Emila Sutton destaca que “é mais barato alojar as pessoas, globalmente”, uma vez que muitas delas necessitam apenas de um “apoio leve, como a oferta de um teto e um lar estável”.

Os desafios da conversão de hotéis em habitação

Embora a ideia tenha gerado entusiasmo, os projetos de conversão de hotéis enfrentam uma série de desafios. A perda de unidades hoteleiras pode levar ao aumento das tarifas em hotéis nas proximidades, o que tem gerado críticas em algumas cidades. Em Nova Iorque, por exemplo, um em cada cinco hotéis foi convertido para abrigar migrantes, o que resultou em um aumento significativo das tarifas. Além disso, a adaptação dos edifícios às exigências de habitação, como a instalação de cozinhas completas e o aumento do tamanho das portas e elevadores, pode ser um processo dispendioso.

Apesar disso, em Raleigh, não houve uma oposição significativa ao projeto. Sutton afirma que o bairro de Brentwood ainda não sente os efeitos do crescimento da cidade e que a solução adotada foi manter o imóvel classificado como hotel para evitar complicações com a regulamentação local.

A reforma do edifício, renomeado para “The Studios at 2800 Brentwood”, é um processo gradual. Depois da compra, a cidade obteve um orçamento de 15 milhões de dólares para uma renovação completa, mas decidiu adotar uma abordagem mais prática, focando-se inicialmente nas melhorias mais urgentes, como a instalação de novos alarmes de incêndio, sistemas Wi-Fi e a reparação de escadas externas danificadas. Com a ajuda da CASA, uma organização sem fins lucrativos especializada na habitação de pessoas sem-abrigo, o plano é renovar os quartos à medida que se tornam disponíveis.

Atualmente, 70 unidades estão operacionais e ocupadas, com a maioria dos residentes provenientes de acampamentos informais nas imediações de Raleigh. Everett McElveen, CEO da CASA, sublinha a importância de não deslocar ninguém durante as obras, razão pela qual a renovação está a ser feita de forma faseada.

A longo prazo, a cidade e a CASA planeiam transformar a antiga piscina do hotel numa área comum para os residentes, equipada com espaços de lazer, grelhadores e bancos, além de implementar um sistema de energia solar para reduzir os custos com as utilidades. O projeto, que ainda necessita de financiamento adicional, está previsto para ser concluído até 2030.

Lynnette Moore, a residente mais antiga do hotel, partilha que, com as melhorias recentes, a comunidade dentro do edifício está a crescer: “Agora as pessoas falam mais. Talvez, quando aquela área estiver terminada, possamos conhecer-nos melhor.” As autoridades locais de Raleigh esperam que, até 2030, o bairro de Brentwood tenha sido completamente transformado pela expansão da cidade, mas acreditam que este modelo de habitação permanente seja uma das soluções viáveis para mitigar a crise de sem-abrigo.

Com o aumento contínuo do número de pessoas sem-abrigo, a experiência de Raleigh poderá servir de modelo para outras cidades nos EUA, se forem capazes de superar os desafios logísticos e financeiros impostos pela conversão de hotéis em habitação estável e acessível.

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