Fim abrupto da manifestação de interesses vai “desregular” entradas de migrantes em Portugal, alerta especialista
Rui Pena Pires, coordenador científico do Observatório da Emigração, alerta que o fim abrupto da manifestação de interesses pode levar a uma desregulação na entrada de imigrantes em Portugal. Este aviso surge num contexto em que os Países Baixos se preparam para se tornarem um dos principais destinos da emigração portuguesa, tendência que deverá continuar a aumentar.
Os dados de 2022 indicam um aumento na emigração portuguesa, especialmente para França e Espanha. “Em 2022, a emigração cresceu para 70 mil, mas ainda estamos abaixo dos valores de 2019”, explica o especialista, em entrevista ao Público. Este crescimento contrasta com a diminuição da emigração para o Reino Unido, afetada principalmente pelo Brexit. “Se o Reino Unido já bateu no fundo, dentro de pouco tempo teremos a emigração a subir em relação a 2019.”
A emigração que antes se dirigia para o Reino Unido está agora a desviar-se para outros destinos, com destaque para os Países Baixos. “Os portugueses estão a concentrar-se sobretudo nos serviços, como os financeiros e técnicos, e não na indústria nem na construção”, destacou Pires, sugerindo uma tendência de emigração mais qualificada para este país.
Em contrapartida, a emigração para França e Espanha continua a ser dominada por trabalhadores menos qualificados, especialmente nos setores da construção e obras públicas. “Os últimos dados para França mostram que 85% dos novos emigrantes não tinham licenciatura”, acrescentou.
O governo português anunciou recentemente medidas para regular a entrada de imigrantes, mas Pires expressa ceticismo quanto à sua eficácia. “Enquanto houver emprego, os imigrantes vão continuar a chegar, e sem uma rede consular eficaz, terão menos hipóteses de se regularizarem”, argumentou.
Segundo o responsável, a atual rede consular não é capaz de emitir vistos em quantidade suficiente para regularizar os imigrantes que chegam. “Nos consulados estão a emitir dois a três mil vistos de trabalho por ano, o que é ridículo”, afirmou, defendendo a necessidade de uma “revolução no funcionamento da rede consular”.
Pena Pires sublinha que o principal regulador dos fluxos migratórios em Portugal é o mercado de trabalho, e não as políticas de imigração. “As curvas do emprego e das entradas de imigrantes em Portugal são praticamente paralelas: há mais emprego, há mais imigrantes; há menos emprego, há menos imigrantes.”
O fim da manifestação de interesses sem a criação de um sistema alternativo de regularização pode levar a uma maior desregulação. “A suspensão temporária da manifestação de interesses, como sugerido por Marcelo Rebelo de Sousa, poderia ser mais eficaz”, comentou Pires, concordando que uma abordagem gradual seria mais apropriada.
O especialista também mencionou que a pressão migratória está a aumentar globalmente. “No Reino Unido, nos Estados Unidos e na Austrália, a imigração está a aumentar apesar das restrições”, referiu. Esta tendência global é reflexo das condições económicas favoráveis, como a baixa taxa de desemprego nos Estados Unidos, que quintuplicou a pressão migratória nos últimos dois anos.
O fim abrupto da manifestação de interesses em Portugal, sem uma rede consular capaz de suprir a emissão de vistos, pode resultar em uma maior desregulação da imigração, conclui Rui Pena Pires. Enquanto o emprego continuar a ser o principal atrativo para os imigrantes, as políticas de imigração precisarão de ser adaptadas para garantir uma gestão eficaz e justa dos fluxos migratórios.