UE em contrarrelógio para ultrapassar Orbán ‘na curva’ e bloquear 210 mil milhões de euros russos

A União Europeia está a avançar a grande velocidade com um mecanismo jurídico destinado a imobilizar de forma permanente até 210 mil milhões de euros em ativos soberanos russos, numa tentativa clara de evitar um novo veto do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, mesmo antes de os líderes europeus se reunirem na cimeira da próxima semana.

Pedro Gonçalves
Dezembro 10, 2025
11:54

A União Europeia está a avançar a grande velocidade com um mecanismo jurídico destinado a imobilizar de forma permanente até 210 mil milhões de euros em ativos soberanos russos, numa tentativa clara de evitar um novo veto do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, mesmo antes de os líderes europeus se reunirem na cimeira da próxima semana. A iniciativa, descrita por vários diplomatas europeus, recorre a poderes de emergência previstos nos tratados para permitir que uma maioria qualificada ultrapasse a regra habitual da unanimidade em matéria de sanções.

Segundo responsáveis envolvidos no processo, o objetivo é preservar a margem de manobra de Bruxelas nas negociações de paz lideradas pelos Estados Unidos sobre a guerra na Ucrânia, evitando que a Hungria coloque em risco o poder negocial europeu ao bloquear a renovação dos atuais congelamentos.

A estratégia passa por aprovar nos próximos dias a legislação que transforma o congelamento temporário dos ativos russos — que atualmente precisa de ser renovado a cada seis meses e exige o acordo dos 27 — num regime indefinido, sustentado juridicamente no Artigo 122 dos tratados europeus, uma cláusula usada em situações de crise económica ou energética. A proposta permitiria contornar potenciais vetos húngaros e, segundo os diplomatas, tem também o objetivo de separar este dossiê sensível da discussão, mais complexa, sobre o financiamento de um possível empréstimo à Ucrânia com base nos mesmos ativos.

Esse debate — sobre a forma como os fundos confiscoados serviriam de garantia para um empréstimo estimado inicialmente em 90 mil milhões de euros — será deixado para a cimeira da próxima semana e permanece politicamente delicado.

Risco de choque político com Budapeste
A decisão de avançar em votação por maioria qualificada pode desencadear fortes tensões com Budapeste, já que Orbán tem sido crítico de qualquer nova ajuda a Kyiv e ameaça recorrentemente vetar a prorrogação das sanções contra Moscovo. Exemplos anteriores de Estados-membros ultrapassarem outros em temas sensíveis — como sucedeu com a Polónia e a Hungria no quadro das políticas migratórias — deixaram marcas profundas entre capitais europeias, receio agora repetido entre diplomatas.

Na semana passada, a Comissão Europeia propôs formalmente utilizar os 210 mil milhões de euros em ativos russos congelados no território da UE para servir de base ao empréstimo à Ucrânia. Para que este mecanismo funcione, é essencial que os ativos permaneçam imobilizados por tempo indeterminado; caso contrário, qualquer levantamento inesperado das sanções poderia desestabilizar o esquema financeiro.

Hungria volta a erguer barreiras e avisa para “linhas vermelhas”
Budapeste mantém firme oposição à proposta. O porta-voz do Governo húngaro, Zoltán Kovács, afirmou esta semana que o plano da Comissão “ultrapassa todas as linhas vermelhas”, deixando clara a disponibilidade de Orbán para um confronto institucional caso Bruxelas avance.

A preocupação entre responsáveis europeus é de que Orbán acabe por cumprir a ameaça de veto, sobretudo se a administração de Donald Trump decidir suspender unilateralmente as sanções norte-americanas contra a Rússia — cenário que poderia alterar o equilíbrio de forças entre aliados ocidentais.

Artigo 122 permite blindar sanções e contrariar pressões externas
A proposta da Comissão — ao abrigo do Artigo 122 — não só reduz a dependência de Budapeste, como envia também um sinal político para Washington. Nos primeiros rascunhos de um plano de paz trabalhado por responsáveis norte-americanos, defendia-se que grande parte dos ativos congelados fosse canalizada para dois fundos de investimento liderados pelos EUA. Além disso, responsáveis norte-americanos têm tentado dissuadir as capitais europeias de avançarem com qualquer utilização dos ativos antes de existir um acordo de paz concreto.

Outro ponto sensível reside na Bélgica, onde está sediada a Euroclear — instituição que detém 185 mil milhões de euros dos ativos russos. Bruxelas teme ficar exposta a ações judiciais de Moscovo caso as sanções venham a ser levantadas de forma inesperada. Por isso, exige garantias juridicamente robustas de que os restantes Estados-membros partilharão eventuais custos decorrentes de processos legais.

A presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, afirmou que foram atendidas “quase todas” as exigências de Bruxelas relativas ao desenho do mecanismo de empréstimo. Um porta-voz do primeiro-ministro belga optou por não comentar a evolução das negociações.

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