O novo regime jurídico das Sociedades Desportivas
Por Maria Beatriz Simões, Dower Law Firm
No dia 4 de agosto foi publicada a Lei n.º 39/2023, que vem estabelecer o novo regime jurídico das sociedades desportivas em Portugal. Das alterações promovidas pela Lei n.º 39/2023, destacam-se as seguintes:
- Novo tipo societário
Até à entrada do novo regime, era apenas admissível a constituição de sociedades desportivas sob a forma de sociedade anónima (“SAD”) e de sociedade unipessoal por quotas (“SDUQ, Lda.”). Atualmente, o novo regime passa a permitir a constituição de sociedades desportivas sob a forma de sociedade por quotas (“SDQ”).
- Paridade de sexo e introdução de quotas de género
Um dos pilares do novo regime traduz-se na implementação de medidas que visem assegurar a paridade de sexo, a saber:
- Permissão da constituição ou a aquisição de participações sociais pelo clube desportivo de mais do que uma sociedade desportiva se a mesma modalidade promovida por esta se se diferenciar por sexo;
- A obrigação da sociedade desportiva assegurar a proporção mínima de 33,3% de pessoas de cada sexo aquando da composição do órgão de administração e de fiscalização. Esta medida aplicar-se-á apenas quanto aos novos mandatos e às renovações e substituições dos mandatos anteriores.
- Proibição de fusão entre sociedades desportivas
A nova lei expressamente proíbe a fusão entre sociedades desportivas, exceto quanto às sociedades desportivas que tenham diferentes clubes desportivos fundadores, desde que exista fusão entre os respetivos clubes.
- Deveres de comunicação e deveres de transparência
A introdução destes novos deveres manifesta-se do seguinte modo:
- Obrigação de comunicação dos acordos parassociais, no prazo máximo de 3 dias após a sua celebração, às entidades fiscalizadoras, à federação desportiva da respetiva modalidade e à respetiva liga profissional (no caso das sociedades desportivas participantes em competições profissionais) e publicação dos mesmos no sítio da Internet da respetiva sociedade a quem o acordo diz respeito;
- A obrigatoriedade das sociedades desportivas em identificarem os beneficiários efetivos das sociedades que detenham participações no seu capital social;
- Sujeição das sociedades desportivas às medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo (Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto);
- Deveres de publicidade na página de Internet da respetiva sociedade desportiva i) do contrato de sociedade atualizado, ii) das contas dos últimos três anos, iii) dos órgãos de administração e fiscalização, iv) dos seus contactos oficiais, v) os dados relevantes no âmbito do cumprimento dos deveres de transparência na titularidade de participações sociais e vi) das comunicações dos sócios relativas à subscrição ou aquisição de participações sociais;
- Obrigação dos clubes ou sociedades desportivas em prestar informação relativa às transferências de praticantes desportivos profissionais à respetiva federação desportiva da modalidade em causa e à entidade fiscalizadora, como por exemplo, do valor total da transferência, da origem e destino dos montantes envolvidos, do modo de pagamento, da percentagem de direitos que é alienada, entre outros;
- Obrigação da criação de um canal de denúncia de infrações pelas sociedades desportivas e pela entidade fiscalizadora (“IPDJ”).
- Novo limite mínimo da participação social do clube desportivo fundador
Nos casos em que a sociedade desportiva tenha sido constituída mediante transformação de um clube desportivo ou pela personalização jurídica de uma equipa de um clube desportivo que participe ou pretenda participar em competições desportivas, o regime atualmente em vigor reduz o mínimo da participação direta do clube desportivo de 10% para 5% do capital social.
- Proteção do património em caso de dissolução, insolvência ou extinção
Verificando-se uma daquelas circunstâncias, as instalações desportivas (quando não se demonstrem indispensáveis para liquidar as dívidas sociais), o palmarés desportivo e os troféus conquistados pela sociedade desportiva devem ser atribuídos ao clube desportivo fundador, desde que este mantenha aquela qualidade no momento da dissolução, insolvência ou extinção da sociedade.
- Nova entidade fiscalizadora e criação de canal de denúncias
Por força do novo regime, foi o Instituto Português do Desporto e Juventude, I.P. (“IPDJ”) instituído como a entidade competente para proceder à fiscalização das sociedades desportivas mediante a realização de inquéritos, inspeções, sindicâncias e auditorias externas aos detentores e candidatos de participação qualificada, aos membros do órgão de administração, procuradores e os que exercem funções de administração ou gerência e, ainda, para proceder à verificação da legalidade dos acordos parassociais e do registo da sociedade desportiva, em contrapartida pelo pagamento de taxas em função do serviço desempenhado, cujos valores variam entre os 100,00 Euros e os 1.000,00 Euros.
- A imposição de requisitos de idoneidade
Os interessados em deter, pelo menos 5% do capital social da sociedade desportiva, encontram-se obrigados a provar a capacidade económica para o investimento e os meios financeiros a que irão recorrer, submetendo, para o efeito, uma declaração de compromisso de honra.
- Introdução de um regime contraordenacional próprio e a responsabilidade solidária
Este regime contraordenacional pode consistir em i) aplicação de coimas, cujo valor aplicável varia entre os 500,00 Euros e os 500.000,00 Euros, conforme se trate de contraordenação leve, grave ou muito grave; ii) aplicação, cumulativamente com a coima, de sanções desportivas, como, por exemplo, a inibição, por período não superior a cinco anos, do exercício de funções de administração, gestão, direção, chefia ou fiscalização das sociedades desportivas; iii) aplicação de medidas cautelares, tendo em consideração a normal instrução do processo ou a tutela dos interesses protegidos, designadamente a suspensão preventiva de alguma(s) atividade(s) exercida(s) pelo arguido e iv) na notificação de advertência, quando se tratar de uma irregularidade sanável da qual não resultou qualquer prejuízo.
Qualquer contraordenação que incida sobre a pessoa coletiva pelos factos praticados pelos titulares dos seus órgãos sociais, mandatários, representantes ou trabalhadores, no exercício das suas funções ou em seu nome ou por sua conta, a responsabilidade pelo pagamento das coimas, das custas ou de qualquer outro encargo associado será da responsabilidade solidária de ambas. A título exemplificativo, haverá lugar a tal responsabilidade quando a participação direta do clube desportivo fundador não consubstanciar, no mínimo, 5% do capital social da sociedade desportiva (contraordenação muito grave), quando não seja publicado na página de Internet da sociedade desportiva alguma das informações que se revele obrigatória (contraordenação grave) ou, ainda, quando a firma da sociedade desportiva não indique a modalidade desportiva a que diz respeito (contraordenação leve).