E porque não contar também com a energia osmótica?

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

Tenho vindo a falar de várias tecnologias energéticas que podem vir a ser “muletas” da tão falada e necessária transição energética. Umas sendo de aplicação mais generalista outras sendo mais aplicáveis em função de condições regionais/geográficas.

Hoje chegou a vez de falar da chamada energia osmótica, por vezes também designada por energia azul. A energia azul ou osmótica é uma forma de energia renovável que utiliza a diferença de concentração de sal entre a água do mar e a água doce para gerar eletricidade, por exemplo através de osmose (membrana).

De uma maneira simplista pode-se explicar o processo referindo que este envolve, no caso da osmose, a utilização de uma membrana semipermeável, que separa a água doce da água salgada. Devido à diferença de concentração de sal, a água doce tende a passar para o lado salgado através dessa membrana. Essa passagem de água gera pressão, que é utilizada para acionar uma turbina e gerar eletricidade. Resta água salgada diluída, que é então descartada ou utilizada para outros fins.

Foi publicado em maio de 2024 um relatório sobre o potencial deste tipo de energia, elaborado pelo Energy Transition Expertise Centre, um think tank da Direção Geral de Energia da Comissão Europeia. Estudo esse que faz um levantamento da situação e apresenta algumas conclusões interessantes que passo a apresentar e a comentar.

As infraestruturas osmóticas são ainda tecnologicamente novas pelo que há ainda desafios tecnológicos a ultrapassar. No entanto existem já, pelo menos, três sistemas que muito rapidamente estarão disponíveis à escala comercial. Algumas com custos bastante interessantes. E são sistemas 24/7/365 ou seja permitem fornecimento estável e renovável de eletricidade permitindo ligar/desligar rápido e sem emissões diretas de CO2.

Na avaliação da viabilidade económica é importante analisar custos como o custo nivelado da eletricidade (LCoE), o custo de investimento (CAPEX) e o custo de operação (OPEX). Estas tecnologias que estão mais próximas da escala comercial, apontam para valores de LCoE que vão de 0,19 €/kWh a 0,11 €/kWh no curto prazo, mas que podem vir a baixar a longo prazo até 0,09 €/kWh a 0,05 €/kWh, apontando-se para OPEX de 3-5% do CAPEX.

Os locais de excelência para esta tecnologia são os estuários dos rios que fluem para mares devido às diferenças de salinidade entre a água dos rios e a água do mar. A nível nacional temos vários locais possivelmente adequados, como será fácil de entender. A nível europeu, este estudo aponta, a este nível, para um potencial teórico de 70,6 GW, com um potencial técnico estimado de 6,4 GW, que por sua vez pode dar origem a 50,8 TWh de energia por ano.

Porém, para além dos rios e oceanos, existe ainda o potencial de fontes hipersalinas, como por exemplo as salmouras residuais da dessalinização (aumentando a eficiência/rentabilidade deste processo) ou fontes naturais como lagos hipersalinos, domos salinos, ou ainda salmouras industriais, lagos de evaporação etc.

A energia osmótica apresenta diversas vantagens em relação a outras formas de energia renovável, sendo que uma é a sua disponibilidade constante, uma vez que a diferença de concentração de sal entre a água doce e a água salgada é um fenómeno que ocorre naturalmente, com um potencial de geração de eletricidade em grande escala. Esta é também uma fonte de energia limpa, que não emite gases de efeito estufa durante a sua geração, o que contribui para a redução das emissões de carbono e para a conservação do meio ambiente

A tecnologia ainda está em estágio de desenvolvimento e a eficiência dos sistemas de geração de energia osmótica precisa ser melhorada, mas segundo o citado relatório, estamos à beira de ter alguns sistemas disponíveis comercialmente. Apesar dos desafios e perspetivas, a energia osmótica apresenta um grande potencial como fonte de energia renovável. Como referido, com os desenvolvimentos tecnológicos e a redução dos custos de implementação, é possível que a energia osmótica se torne numa alternativa viável e economicamente sustentável no futuro.

Dados os estuários existentes no nosso país, para além de algumas outras possibilidades técnicas, que parecem ter boas possibilidades para este fim, seria interessante haver um levantamento técnico e económico (conhecem-se alguns estudos académicos sobre o tema a nível nacional) dessa possibilidade de forma a podermos ter mais um componente do sistema elétrico nacional com a vantagem da sua despachabilidade e complemento da intermitência de outras renováveis, através da criação de sistemas híbridos de geração de eletricidade mais eficientes e confiáveis.

 

 

 

 

 

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