O futuro à velocidade da luz

A inovação está a mudar de escala e de natureza. entre sistemas fotónicos, computação quântica e sustentabilidade, o mundo entrará numa era em que tecnologia e natureza aprendem uma com a outra.

Executive Digest
Dezembro 15, 2025
10:43

A INOVAÇÃO ESTÁ A MUDAR DE ESCALA E DE NATUREZA. ENTRE SISTEMAS FOTÓNICOS, COMPUTAÇÃO QUÂNTICA E SUSTENTABILIDADE, O MUNDO ENTRARÁ NUMA ERA EM QUE TECNOLOGIA E NATUREZA APRENDEM UMA COM A OUTRA.

Depois da digitalização e da revolução da inteligência artificial, o próximo salto tecnológico acontece ao nível mais profundo: o da própria energia. A transição dos sistemas electrónicos para sistemas fotónicos – que utilizam partículas de luz em vez de electrões – pro- mete multiplicar a velocidade de processamento e reduzir drasticamente o consumo energético. É um passo que poderá redefinir a economia global e torná-la mais sustentável.

Sobre esta transformação fala Rika Nakazawa, Chief Commercial Innovation Officer do Grupo NTT. Com uma carreira que atravessa Silicon Valley, a investigação quântica e a defesa da diversidade nas áreas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), Rika Nakazawa explica, em entrevista à Executive Digest, como a inovação pode ser simultaneamente rápida, inclusiva e sustentável.

A inovação pode realmente avançar à velocidade da luz e, ao mesmo tempo, ser sustentável?

Na NTT estamos a investir intensamente em sistemas fotónicos – e os fotões são, literalmente, partículas de luz. Este é um esforço conjunto, em colaboração com cerca de 160 entidades do ecossistema global, com o objectivo de substituir sistemas electrónicos por sistemas fotónicos. É uma mudança profunda, porque nos permite trabalhar, de facto, à velocidade da luz.

Mas o impacto é mais do que simbólico: representa uma revolução energética. Quando passarmos de redes electrónicas para redes fotónicas – e digo “quando”, e não “se” –, poderemos reduzir o consumo energético para um centésimo do actual. A largura de banda aumentará 125 vezes e a velocidade de transmissão 200 vezes. É uma transformação que redefine o que entendemos por eficiência.

Vivemos numa era em que a inteligência artificial é movida por dados – e os dados são o combustível que a alimenta. Tornar esse processo mais rápido e menos dispendioso em energia é essencial para o futuro. Além disso, tudo o que envolve sustentabilidade, gestão de energia e optimização de sistemas depende de volumes imensos de informação. É aqui que entra outra das minhas áreas de paixão: a computação quântica.

Como é que a computação quântica se liga a essa visão?

A computação quântica permite-nos processar e sintetizar grandes quantidades de dados probabilísticos e chegar a resultados que seriam impossíveis pelos métodos tradicionais. E há uma relação directa: os sistemas fotónicos são o estado ideal para operações quânticas. Por isso, acredito que a rede totalmente fotónica que estamos a construir será a base para os sistemas quânticos do futuro – mais eficientes, mais sustentáveis e mais próximos do funcionamento da própria natureza.

É essa ligação entre tecnologia e natureza que quero explorar no meu doutoramento. Pensemos numa simples folha de árvore: é, provavelmente, mais eficiente do que qualquer sistema criado pelo homem em termos de conversão de luz em energia. O processo de fotossíntese é extraordinariamente eficaz e há indícios de que envolva fenómenos de coerência quântica.

O meu objectivo é usar a inteligência artificial e a computação quântica para decifrar os algoritmos naturais da eficiência – perceber como a natureza optimiza recursos – e aplicar esse conhecimento à criação de sistemas sustentáveis. A sustentabilidade é, em grande parte, uma questão de gestão inteligente de recursos. E há muito a aprender com os ciclos naturais, com a economia circular e com a regeneração de matéria.

Há quem tema que a inteligência artificial esteja a evoluir depressa demais. Concorda?

Compreendo esse receio, mas acredito que vivemos um momento extraordinário de convergência. As inovações em inteligência artificial estão a encontrar-se com as da sustentabilidade e da energia. Depois da aceleração digital provocada pela pandemia, o mundo procura agora eficiência, equilíbrio e harmonia com os sistemas naturais.

Curiosamente, a computação quântica tem aqui um papel duplo: pode tornar o processamento mais sustentável e, ao mesmo tempo, ajudar a resolver problemas complexos em áreas como segurança cibernética, logística ou transporte. Portugal, por exemplo, pela sua posição geográfica e tradição de pioneirismo, poderá ter um papel importante nas cadeias globais de transporte – um sector onde o quântico será fundamental para optimizar rotas e sistemas logísticos.

E quanto à acessibilidade? A IA está real- mente a tornar-se mais democrática?

Sem dúvida. Hoje já não é necessário saber programar em Python ou C++ para usar ferramentas de inteligência artificial. Quase toda a gente tem acesso a soluções que antes estavam reservadas a especialistas. É uma democratização comparável à dos telemóveis no final dos anos 90.

Lembro-me de quando a NTT DoCoMo lançou o i-mode no Japão – antes ainda da iTunes –, abrindo um novo mundo de aplicações móveis. Um caso marcante foi o da plataforma M-Pesa, no Quénia, que permitiu a agricultores ven- der as suas colheitas por telemóvel. A IA está a repetir esse fenómeno: a tecnologia deixa de ser um privilégio e passa a ser um meio de inclusão.

Esta nova acessibilidade permitirá que comunidades até agora à margem da digitalização beneficiem de ferramentas que promovem qualidade de vida, sustentabilidade e equilíbrio. E a luz – os fotões e a própria natureza da luz – será parte integrante dessa nova etapa.

“Sustentabilidade” é um conceito omnipresente. Como o traduz em “inovação sustentável”?

As Nações Unidas definiram, em 2012, os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, ligando sustentabilidade a progresso económico. Mas são 17 objectivos, e o ser humano tende a pensar melhor em conjuntos de três. Por isso, acredito que cada organização deve concentrar-se nas dimensões da sustentabilidade mais relevantes para a sua realidade. Na NTT trabalhamos em dois grandes eixos. O primeiro é o da tecnologia sustentável – como tornar as TI mais eficientes. Um bom exemplo é o trabalho do nosso Sustainability Business Office, liderado por David Costa, que preside também à Green Coding Foundation. O código informático consome muita energia e contém frequentemente linhas desnecessárias. Queremos optimizar o código como se optimiza o uso da água: sem desperdício.

O segundo eixo é o da tecnologia ao serviço da sustentabilidade – ou seja, como usar as nossas soluções para ajudar empresas e governos a atingir metas ambientais. É aqui que entram a economia circular, a neutralidade carbónica e a regeneração de recursos.

Pode dar exemplos desse impacto?

Há muitos. Um deles é a empresa Marble Visions, uma joint venture entre a NTT Data, a Hasko e a Canon. O nome inspira-se na famosa fotografia da Apollo 17, de 1972, em que a Terra surge como uma pequena esfera azul – a blue marble. A empresa faz observação terrestre por sa- télite e cria mapas tridimensionais de cidades, portos, campos agrícolas e minas.

Esses modelos permitem prever e gerir riscos de cheias, incêndios ou terramotos. É o conceito de gémeo digital dinâmico: combinamos imagens de satélite com sensores de IoT e representamos, em tempo real, o que acontece em cada ponto do território. Isto muda por completo a gestão de riscos e o planeamento urbano.

Outro exemplo é a conectividade entre redes terrestres e não-terrestres. A NTT Data, através da empresa Transatel, desenvolve sistemas que permitem mudar automaticamente entre redes móveis e satélites, garantindo ligação permanente mesmo em situações de emergência – como aconteceu no terramoto na Península de Noto, no Japão.

Trabalhamos também em modelos de economia circular para reduzir o lixo electrónico e impedir a exportação de resíduos perigosos para países africanos. E não esquecemos a dimensão humana: promovemos a educação em STEM e STEAM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática), sobretudo para mulheres jovens, para reduzir desigualdades. Ainda há dois mil milhões de pessoas sem acesso à Internet – e isso também é sustentabilidade.

E como é que se cultiva essa visão dentro do Grupo NTT?

A cultura é essencial. Recentemente estivemos no Vaticano a celebrar o primeiro Sustainability Summit. A parceria com o Vaticano não é nova – há 10 anos ajudámos a digitalizar mais de 30 mil manuscritos da Biblioteca Vaticana, tornando-os acessíveis a todos. É um símbolo da democratização do conhecimento.

No evento apresentámos a nossa visão baseada em três pilares: pessoas positivas, planeta positivo e prosperidade positiva. Em cada região temos equipas dedicadas a promover iniciativas locais. No Brasil, por exemplo, o programa “IT for Girls” ajuda as mulheres a regressar ao mercado de trabalho. Uma participante estava afastada do sector há anos; incentivada pelo filho, inscreveu-se no programa e hoje trabalha em tecnologia.

Também organizamos o World Cleanup Day, em que os colaboradores saem para limpar praias e espaços públicos, e seguimos o princípio  japonês Sampo Yoshi – «três vias do bem»: bom para o negócio, bom para o cliente e bom para a comunidade.

Todos os anos realizamos ainda os Sustainability Awards, que distinguem projectos de inovação sustentável – desde soluções com clientes a iniciativas em blockchain, IoT ou redes privadas. É uma forma de inspirar e mostrar que a sustentabilidade também é competitividade.

Competição ou colaboração – o que move mais a inovação?

Ambas. A competição é saudável porque estimula a criatividade. Mas existe também a “coopetition”: competir e colaborar em simultâneo. Com 340 mil colaboradores e 3,5 mil milhões de dólares anuais investidos em I&D, a NTT precisa de trabalhar com concorrentes em algumas áreas.

No nosso centro de investigação em Silicon Valley estudamos novos materiais, como o niobato de lítio, para aplicações fotónicas – algo improvável para uma empresa de telecomunicações. É esse equilíbrio entre rivalidade e cooperação que faz avançar o pensamento e resolve problemas globais.

Qual será a área que mais transformará a nossa vida nos próximos anos?

Depende do que entendemos por “nós”. Há regiões do mundo onde ainda não há electricidade. Mas, no chamado Norte Global – Europa, Japão, América do Norte –, acredito que será a inteligência artificial de periferia (Edge AI), combinada com sistemas robóticos.

Creio que os sistemas autónomos, apoiados por IA local, transformarão indústrias inteiras – da restauração à mineração. Imagine um robô que detecta fugas de gás ou res- gata mineiros após um desabamento: é segurança, eficiência e humanidade.

O mesmo acontecerá na saúde. A investigação quântica pode ajudar-nos a compreender melhor as doenças e o funcionamento do corpo humano. No nosso centro de I&D em Sunnyvale estamos a criar gémeos digitais do coração e do cérebro – modelos funcionais que simulam o organismo real.

Curiosamente, ainda não sabemos ao certo como o olfacto funciona. Há indícios de que também envolva fenómenos quânticos. À medida que compreendermos esses mecanismos, poderemos revolucionar a medicina e a prevenção. Por isso, saúde, defesa e espaço serão áreas de transformação acelerada.

O espaço?

Sim. A chamada “economia espacial” está a renascer. Nos anos 60 fomos à Lua; depois, o silêncio. Agora há uma nova corrida: China, Índia, Estados Unidos e Europa. A tecnologia tornou-se mais barata e os satélites, mais pequenos. Elon Musk tem cerca de oito mil em órbita, e a China planeia lançar 15 mil.

Essa multiplicação de satélites está a mudar a forma como observamos o Planeta. A observação espacial é crucial para a segurança, o clima e a econo- mia. Permite-nos ver a Terra com outros olhos – e compreender melhor a nossa própria fragilidade.

Se pudesse escolher uma mudança para a próxima década, qual seria?

Gostaria que o mundo aprendesse a atribuir valor para além dos euros e dos dólares. As empresas continuam a ser avaliadas apenas pelos resultados trimestrais, e isso distorce a noção de progresso.

Queria ver um sistema que medisse o valor real – o retorno do investimento em inovação, o impacto positivo no Planeta e o bem que se faz às pessoas. Quando falo em “bem”, refiro-me a impacto con- creto, e não a idealismo. No fundo, é como pegar na luz branca das finanças e passá-la por um prisma: ver todas as cores do impacto.

Há sinais encorajadores, como as Public Benefit Corporations nos Estados Unidos, mas é preciso normalizar esse modelo. E acrescentaria outro desejo: ver mais mulheres empreendedoras com acesso a financiamento, não por quotas, mas por mérito. Ainda há um longo caminho a percorrer.

Como encorajaria as jovens que sonham trabalhar em tecnologia?

Contaria a minha própria história. Em adolescente, adorava Matemática, Física e Química Orgânica – fiz o International Baccalaureate nessas áreas e entrei em Princeton com um ano de avanço. Mas, na altura, não tinha modelos femininos e acabei por seguir um percurso mais liberal. Fui parar à Sony Online, em plena explosão da Internet, numa equipa de 15 pessoas a reinventar o entretenimento digital.

Depois veio o mobile boom e o regresso ao Japão, com a NTT DoCoMo. Mais tar- de, a NVIDIA, em 2006, quando quase ninguém sabia pronunciar o nome da empresa. Muitas vezes era a única mulher nas reuniões. Aprendi a programar, a montar computadores e a trabalhar lado a lado com engenheiros – não fingindo saber tudo, mas aprendendo com eles.

Hoje, o meu doutoramento em IA e Quântica é um regresso a essa paixão pela ciência. Por isso, o conselho é simples: digam “sim” ao desconforto. Não é preciso um diploma em ciências da computação – até porque a IA já começa a programar por nós. O essencial é perder o medo e aceitar o desafio. As mulheres foram educadas para a perfeição, não para o risco, mas o progresso nasce da imperfeição.

Esqueçam o “isto não é para mim”. A tecnologia tem mil facetas e precisa de todas as vozes. Se formos curiosas, corajosas e persistentes, ainda há muito, mesmo muito por descobrir.

Este artigo faz parte da edição de Novembro (n.º 236) da Executive Digest.

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