O fim de vida das pás dos aerogeradores

Opinião de Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

Executive Digest
Julho 29, 2025
13:11

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

Já aqui me debrucei neste espaço de opinião sobre o fim de vida dos painéis fotovoltaicos (https://executivedigest.sapo.pt/opiniao/o-fim-de-vida-dos-paineis-fotovoltaicos/, 3 de janeiro de 2024), por isso é agora tempo de abordar esta questão relativamente às pás dos aerogeradores. E abordo apenas esse componente do equipamento eólico porque a reciclagem dos restantes componentes – torre, nacele e gerador/transformador etc – são processos já amplamente conhecidos e estabelecidos. Como exemplo, refira-se que o processamento do gerador para reciclagem é um processo que visa a recuperação de materiais valiosos, principalmente cobre, magnetos etc., utilizando equipamentos especializados, mas correntes, para desmantelar e separar os componentes, que uma vez individualizados poderão ser encaminhados para recicladores específicos.

A primeira geração de aerogeradores com pás de compósitos montadas na década de 90 estão agora a chegar ao fim da sua vida útil. Segundo dados referidos pelo INEGI prevê-se que em Portugal venham a ser desativadas em média 266 turbinas eólicas por ano a partir deste ano.

No entanto, as pás, por serem de composição complexa, não são fáceis de reciclar, pois são formadas por compósitos fibra/polímero. Estas são essencialmente constituídas por compósitos de fibra de vidro (~75%), que conferem elasticidade e resistência, e de resina polimérica (25%), que é a matriz agregadora. Mais especificamente são compostas por fibras de reforço, por exemplo fibra de vidro ou carbono (fibras de aramida ou de basalto também podem ser encontradas), matriz polimérica de termoendurecíveis como resina epóxida, poliéster, ésteres vinílicos, poliuretano, e por vezes também alguns termoplásticos e ainda o reforço central que é um núcleo interior que reforça a estrutura interior oca, baseado em espumas de PVC ou PET. Têm ainda outros componentes menores, como revestimentos exteriores de polietileno ou poliuretano, adesivos e laminados de carbono.

O primeiro problema que existe no tratamento em fim de vida das turbinas eólicas é o seu desmantelamento: é complexo, e por isso, caro. O transporte de peças e componentes de grandes dimensões para os destinos de tratamento pode também ser difícil. Uma solução mais apropriada será o corte no local. As pás, embora representando um pequeno componente (<10%), em peso, constituem um elevado volume de material.

As soluções de valorização são difíceis ou dispendiosas, e muitas estão ainda em fase de desenvolvimento. Sendo, como referido, uma mistura compósita muito complexa, a reciclagem das pás encerra muitos problemas técnicos. De momento, apenas soluções de aplicações pouco “nobres” são possíveis de considerar, e que correspondem à produção de agregados da mistura, após trituração, para aplicar em construção (p.e. pavimentos exteriores ou interiores).

Nos EUA, estavam há algum tempo inclusivamente a enterrá-las! Na União Europeia algumas pás são queimadas para aproveitamento energético no fabrico de cimento ou produção de eletricidade, mas o seu conteúdo energético é baixo e emitem poluentes.

As principais soluções conhecidas aplicáveis à reciclagem dos compósitos de pás eólicas são as seguintes:

  • Coprocessamento na indústria cimenteira: aproveitando o valor energético dos polímeros e a incorporação no cimento dos materiais das fibras, ricas em sílica, e outros enchimentos;
  • Fragmentação mecânica: processo de trituração com libertação de materiais com diferentes granulometrias, permitindo obter concentrados de fibras (mais grosseiros) e de resina (mais finos);
  • Fragmentação pulsada de alta tensão (protótipo): processo mecânico que permite a separação das fibras e das resinas, em frações com diferentes granulometrias;
  • Gasificação (protótipo): tratamento térmico em atmosfera controlada, vulgarmente em leito fluidizado, com recuperação de energia e produção de fibras para eventual utilização;
  • Solvólise (protótipo): tratamento termoquímico com solventes, sob pressão, permitindo a separação dos materiais, nomeadamente com recuperação das fibras e da resina polimérica, potenciando a sua eventual utilização (processo dispendioso);
  • Fragmentação e produção de agregados para aplicação em pavimentos, que é uma das opções já em condições de implementação industrial;
  • Pirólise, em condições de aplicação industrial, pode ter custo superior e as temperaturas de processamento (300-700ºC) podem alterar as propriedades mecânicas das fibras impedindo a sua reutilização (só para deposição);
  • Decomposição do material após fragmentação num banho de sal orgânico aquecido (ainda em fase não industrial) permitindo reutilizar os componentes noutros materiais compósitos.

Uma outra possibilidade é o seu reaproveitamento para outro fim. Sabe-se que, por exemplo, na Dinamarca algumas destas pás estão ser utilizadas numa segunda vida como telheiros para estacionamento de bicicletas numa aplicação funcional e ecológica. Há quem também fale em aplicações em parques infantis, edifícios, equipamento de jardim etc.

Noutro âmbito, sabendo-se que existe uma redução das propriedades físicas e mecânicas das pás ao longo do tempo, uma das possibilidades poderá ser promover/estender o seu tempo de vida útil, através de técnicas seguras.

Assim, é crucial encontrar uma ou mais soluções sustentáveis para o fim de vida das pás dos aerogeradores adequada à nossa realidade!

Partilhar

Edição Impressa

Assinar

Newsletter

Subscreva e receba todas as novidades.

A sua informação está protegida. Leia a nossa política de privacidade.