A indústria farmacêutica prepara-se para marcar um ponto de viragem no combate à obesidade, com 16 novos fármacos prontos a seguir para aprovação da Agência Europeia do Medicamento e muitos outros ainda em desenvolvimento, indicou esta sexta-feira o jornal ‘Expresso’.
A chegada destas terapêuticas, mais rápidas e eficazes na perda de peso e com benefícios adicionais, poderá iniciar o fim da maior epidemia do século XXI. Mas o avanço traz também novos riscos: provocam reações adversas e podem ter de ser administrados durante toda a vida.
As novas moléculas, como os já conhecidos agonistas do recetor GLP-1 ou as versões que atuam em mais recetores em simultâneo, funcionam imitando hormonas que regulam a fome e a saciedade. Além de reduzirem o apetite, tratam diabetes e várias patologias cardíacas, renais, hepáticas ou neurológicas, podendo ainda estimular o aumento de massa magra. Os formatos de administração também deverão tornar-se mais simples, incluindo comprimidos.
Uma revolução, mas ainda distante de resolver a epidemia
Para Paula Freitas, presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, estes fármacos representam um avanço sem precedentes, mas o fim da epidemia está longe. Recorda que a produção continua complexa e cara, e que “são precisos mais medicamentos e mais baratos”. Atualmente existem cinco fármacos aprovados contra a obesidade em Portugal, três deles agonistas, mas nenhum é comparticipado. Entre 14 e 16 novas moléculas estão em investigação.
Com a perda iminente da patente do primeiro agonista do GLP-1, prevê-se uma descida de preços e um aumento do acesso, alinhado com uma recomendação recente da Organização Mundial da Saúde. Mas a necessidade de utilização prolongada mantém o problema de escala: 60% da população portuguesa tem excesso de peso ou obesidade.
Impacto financeiro no SNS e pressão para comparticipação
A despesa associada à obesidade é elevada. Gil Faria, coordenador dos centros de tratamento da obesidade do Hospital Pedro Hispano e do Grupo Trofa Saúde, lembra que tratar apenas as complicações — e não a doença — tem custos que chegam a 2% ou 3% do PIB. O cirurgião insiste que a obesidade é uma doença do metabolismo e que as novas moléculas derrubam a ideia de que o excesso de peso é falta de esforço pessoal.
A diabetes continua a ser a única patologia com comparticipação para estes medicamentos (90%). Entre janeiro e setembro, foram dispensadas mais de quatro mil embalagens por dia. No total, o mercado passou de 590 mil unidades vendidas em 2020 para perto de 1,5 milhões em 2024, segundo a consultora Iqvia, um aumento que fez o valor movimentado subir de 45 para 113 milhões de euros.
Os analistas admitem que uma comparticipação parcial — entre 30% e 40% — permitiria poupar cerca de 1.800 euros por ano aos doentes. Questionado pelo ‘Expresso’, o Infarmed não esclareceu a avaliação em curso, enquanto a Direção-Geral da Saúde ressalvou que os fármacos devem integrar abordagens multidisciplinares.
OMS pede cuidado: evidência limitada e risco de desigualdades
A DGS destaca que a recomendação da OMS é condicional, sublinhando limitações da evidência a longo prazo, custos elevados e risco de desigualdades no acesso. Defende uma utilização rigorosa e articulada com intervenções não farmacológicas — nutrição, exercício e modificação comportamental — propostas que muitos especialistas contestam pela baixa eficácia quando a obesidade já está instalada.
Gil Faria nota que alimentação e atividade física apenas resultam num em cada centenas de casos, enquanto António Albuquerque, vice-presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade, considera “absurdo” obrigar o doente a esperar um ano para recorrer a tratamentos eficazes.
E depois? Sem terapêutica contínua, o peso regressa
A eficácia destes fármacos está dependente da continuidade. “Funcionam enquanto são administrados. Quando se param, o peso volta”, alerta António Albuquerque. O cirurgião critica o entusiasmo excessivo e lembra que a cirurgia bariátrica continua a ser uma solução eficaz e duradoura, mas subaproveitada.
Há ensaios clínicos em curso, incluindo no Hospital de São João, para perceber se é possível reduzir ou interromper as doses após um ano de terapêutica. Os especialistas reconhecem que ainda faltam dados sólidos para uma utilização universal, sobretudo devido aos potenciais efeitos adversos — desde desnutrição e perda de massa muscular a pancreatite ou isquémia do nervo ótico.
Mas Paula Freitas contrapõe que os estudos existentes demonstram elevada segurança e que o risco acrescido não tem significado estatístico. E recorda que o excesso de peso está associado a mais de 200 comorbilidades e três tipos de cancro.














