As certezas sobre o potencial do pacote laboral para aumentar a produtividade na economia portuguesa são escassas e as dúvidas quanto à possibilidade de esse efeito vir a refletir-se nos salários são ainda maiores. A ausência de um estudo económico que justifique as medidas propostas pelo Governo contribui para um cenário de elevada incerteza, alertam os economistas consultados.
A discussão insere-se numa questão central para a ciência económica: uma legislação laboral mais flexível aumenta a produtividade e, por consequência, os salários? O Executivo tem defendido que sim, mas as opiniões recolhidas pelo jornal ‘Público’ revelam falta de consenso.
Pedro Martins, economista da Nova SBE e antigo secretário de Estado do Trabalho durante a intervenção da troika, integra o grupo dos que veem na iniciativa governamental potencial para elevar a produtividade. Considera que as empresas precisam de “graus de liberdade” para ajustar produtos e serviços, defendendo que o impacto ao nível da produtividade “é inequívoco”, sobretudo num país onde a legislação continua mais restritiva do que a dos parceiros europeus.
O economista identifica, contudo, tensões dentro da reforma, nomeadamente a combinação entre medidas que facilitam despedimentos e outras que flexibilizam contratos a termo: alerta para riscos constitucionais e para eventuais contradições na arquitetura da proposta.
Já Ricardo Paes Mamede, professor do Iscte, rejeita a tese de que mais desregulação laboral conduz a ganhos de produtividade. Cita metanálises e estudos internacionais, como o de Alfred Kleinknecht no Cambridge Journal of Economics, para afirmar que a flexibilização aumenta a rotação laboral e penaliza a acumulação de conhecimento específico, essencial para a produtividade. Para o economista, o pacote laboral resultará sobretudo numa redução do poder negocial dos trabalhadores e num maior recurso a contratos a prazo e outsourcing.
Num ponto intermédio situa-se João Cerejeira, professor da Universidade do Minho, que identifica medidas com potencial para reforçar a produtividade — como a maior flexibilidade interna, o banco de horas ou a redução de burocracia nos despedimentos — mas também elementos com efeito contrário, nomeadamente a diminuição do número de horas de formação nas microempresas.
Salários: ganhos não são garantidos
Mesmo admitindo um eventual aumento de produtividade, nenhum dos economistas consultados garante que esse efeito venha a traduzir-se em salários mais elevados. João Cerejeira sublinha que a relação não é automática e que, somando todos os fatores em análise, o pacote laboral aponta para um enfraquecimento do poder negocial dos trabalhadores. Considera ainda que só um aumento “muito significativo” da produtividade poderia sustentar ganhos salariais mais expressivos, algo que não antecipa como provável.
A posição é partilhada por Ricardo Paes Mamede, que lembra que, a longo prazo, os salários em Portugal têm crescido menos do que a produtividade, reforçando a ideia de que os trabalhadores poderão enfrentar maiores dificuldades para reivindicar aumentos.
Pedro Martins, apesar de ver um impacto produtivo “inequívoco”, admite que a forma como os benefícios seriam distribuídos dependerá do grau de concorrência no mercado de trabalho. Ainda assim, acredita que a atual pressão pela contratação poderá favorecer uma partilha dos ganhos, se estes se materializarem.
Falta de estudo económico gera críticas
Todos os economistas ouvidos pelo jornal diário convergem num ponto: a reforma laboral não é, por si só, a medida mais decisiva para garantir aumentos de produtividade e salários. Pedro Martins reconhece limitações e afirma que há muitas outras áreas com potencial semelhante de impacto.
Ricardo Paes Mamede recorre ao Portugal Attractiveness Survey para salientar que os investidores estrangeiros consideram as regras laborais portuguesas uma vantagem competitiva, questionando a prioridade atribuída à reforma. Já João Cerejeira lembra que as reivindicações mais recentes das empresas se concentram na falta de trabalhadores e na carga fiscal, e que, com as regras atuais, Portugal criou um milhão de empregos na última década, acompanhados por aumentos salariais significativos.
A ausência de um estudo económico que sustente a proposta permanece, assim, como um dos principais pontos críticos, reforçando o ambiente de incerteza quanto aos efeitos do pacote laboral na economia portuguesa.














