Novas regras europeias podem aumentar em 15 cênt/litro o preço da gasolina: especialista explica impacto da medida em Portugal

A partir de 1 de janeiro de 2027, a segunda geração do Sistema de Comércio de Emissões da União Europeia (ETS2) poderá provocar uma nova subida dos preços dos combustíveis em todo o continente

Francisco Laranjeira
Novembro 14, 2025
11:15

A partir de 1 de janeiro de 2027, a segunda geração do Sistema de Comércio de Emissões da União Europeia (ETS2) poderá provocar uma nova subida dos preços dos combustíveis em todo o continente. A medida, que visa reduzir as emissões de dióxido de carbono, abrange pela primeira vez o aquecimento e o transporte rodoviário, incluindo gasolina, gasóleo e biocombustíveis.

De acordo com o ‘L’Automobile Magazine’, o ETS2 vai aplicar-se à generalidade dos países da União Europeia, podendo o impacto variar consoante os mercados nacionais. Em Espanha, onde o combustível é tradicionalmente mais barato, o aumento pode ser mais rápido, reduzindo a diferença face a países como França. E em Portugal?

António Comprido, secretário-geral da EPCOL – Empresas Portuguesas de Combustíveis e Lubrificantes, falou à ‘Executive Digest’ para contextualizar o efeito deste novo sistema no preço dos combustíveis em Portugal, garantindo que os condutores portugueses já pagam este imposto há anos.

“É uma medida que há muitos anos já está em vigor na Europa, e não só na Europa, há outras partes do mundo em que há esquemas semelhantes, para incentivar as empresas a fazer investimentos para a redução de emissões, é, digamos, obrigá-las a pagar pelas emissões”, começou por referir o responsável. “E como é que isso funciona? Através da criação de um mercado de licenças de emissãoe que é o chamado em português CELE, Comércio Europeu de Licenças de Emissão, e em inglês ETS, European Trading System, ou Emission Tracer Trading System.”

“São colocadas licenças de emissão no mercado, é criado um mercado, onde as empresas podem ir, são fixados determinados plafons, onde se decidem quais são as instalações mais eficientes, e essas são tomadas como referência, e portanto, para essas, não pagam nada, portanto, as suas emissões são livres de custos”, referiu António Comprido. “Os outros que estiverem acima terão de, efetivamente, comprar os títulos para compensar essas emissões. Isto funciona, basicamente, para a indústria, para as grandes indústrias, não só para a geração de eletricidade, para as instalações de geração de eletricidade, a partir de gás natural, ou de carvão, ou outras, portanto, as que geram emissões. Obviamente, se forem fontes renováveis, eólica, ou fotovoltaica, não geram emissões, portanto, não estão sujeitos a esse regime.”

“Com o chamado agora ETS2, a Comissão Europeia fez esta proposta diretiva, que agora terá de ser transposta para os Estados-membros”, prosseguiu, lembrando que “ainda não temos a transposição em Portugal”.

“Devo fazer aqui um parênteses, o sistema já se aplicava também ao transporte aéreo e ao transporte marítimo. Agora é, portanto, estendido ao transporte rodoviário e aos edifícios a partir de 2027. Neste momento, já se começaram a recolher dados e informações para estabelecer uma base, depois vão ser definidos os preços e as regras das licenças”, sublinhou António Comprido. “No caso dos transportes, isto recai sobre as empresas fornecedoras de combustíveis.”

E quanto vão pagar? “É fácil de calcular, porque todos os combustíveis, sejam eles gasolina, gás, óleo ou combustíveis renováveis, biocombustíveis, têm associado a cada um deles uma taxa de emissão de emissões. Portanto, fazem-se os cálculos e, com base nisso, as empresas terão de ir comprar os tais títulos e internalizar os custos relativos a esse valor.”

E em Portugal? Há uma exceção, referiu António Comprido. “Há aqui uma nuance, no que diz respeito a Portugal, que não é comum a todos os países europeus. Há países que, como nós, já há muito tempo instituíram uma taxa de carbono. Que, de alguma maneira, é um substituto, chamemos-lhe assim, do sistema de comércio de emissões.”

Ou seja, indicou o responsável da EPCOL, “nós já pagamos uma taxa de carbono em cada litro de combustível que é consumido, aliás, as empresas que introduzem o consumo pagam, e depois, obviamente, se fazem refletir isso no preço de venda ao consumidor, um valor de taxa de carbono que está exatamente indexado ao valor do sistema europeu de comércio de emissões”.

Assim, “o valor da taxa de carbono que nós vamos pagar, por exemplo, a partir de janeiro de 2026, será um valor que está indexado ao valor médio das emissões entre 1 de outubro de 2024 e 30 de novembro de 2025”, referiu. “Portanto, de alguma maneira, nós já temos, embora com um processo diferente, o equivalente ao sistema europeu de comércio de emissões. Já pagamos. Portanto, a minha leitura, posso estar enganado, é que, a entrar em vigor o ETS2, deverá desaparecer a taxa de carbono, porque senão estávamos a pagar duas vezes a mesma coisa”.

Dessa forma, “o impacto que isso poderá ter será relativamente reduzido e resultará apenas numa diferença no acerto do valor das licenças de emissão relativamente ao que hoje se passa”. “Nós hoje temos uma taxa de carbono que anda à volta dos 15 centímetros por litro na gasolina 95 e um bocadinho mais no gasóleo, cerca de 17 centímetros por litro. Isto é o que já pagamos hoje e que é equivalente ao sistema europeu que, como disse, está indexado ao sistema europeu de comércio de emissões. Portanto, quando o ETS2 entrar em vigor, há de ser uma maneira diferente de fazer as contas, mas o resultado final não deverá ser muito diferente deste.”

Para os países que não aplicam a taxa de carbono, “esses sim vão sentir um aumento significativo porque é como fossem criar agora um novo custo que não estava”.

Em que consiste o ETS2?

O sistema de comércio de emissões já está em vigor desde 2013, abrangendo grandes indústrias, produtores de energia, aviação e transporte marítimo. A partir de 2027, a sua expansão a setores como o transporte rodoviário deverá representar uma nova fonte de receita para os Estados europeus, que arrecadaram cerca de 200 mil milhões de euros com o primeiro ETS.

Segundo o ‘L’Automobile Magazine’, as estimativas iniciais apontam para um acréscimo potencial de até 17 cêntimos por litro antes de impostos, caso as petrolíferas decidam repercutir integralmente o custo das novas licenças de emissão. Numa viatura com um depósito de 50 litros, esse aumento traduzir-se-ia num encargo adicional de cerca de 8 euros.

Um cálculo do portal Carbu.com indica que um condutor que percorra 30 mil quilómetros por ano e consuma sete litros de combustível por cada 100 quilómetros poderá enfrentar um custo adicional de 210 euros anuais — menos de 20 euros por mês. Para a maioria dos automobilistas, o impacto será menor, mas não deixa de ser significativo num contexto de preços elevados e de inflação persistente.

Apesar das previsões, a dimensão real dos aumentos depende das quotas que as empresas terão de adquirir e dos preços que venham a ser definidos no mercado europeu de carbono. Algumas estimativas mais conservadoras apontam para um acréscimo de cerca de dez cêntimos por litro.

Enquanto o preço do petróleo Brent se mantém estável, a expectativa é de que 2026 continue a ser um ano de relativa tranquilidade nos postos de abastecimento — antes da entrada em vigor das novas regras ambientais europeias em 2027.

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